Teatro Gláucio Gill - 28/04/2010 – 13h às 17h.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa e Fabíola.
Conversamos sobre datas, viagens, apresentações, produção, enfim… Puxamos o papo sobre LEITMOTIV (motivo condutor), que descobri num livro sobre ópera alemã, não ser propriamente uma invenção de Wagner. Caroll abriu a noção de um LEITMOTIV FÍSICO e outro, VERBAL. Falamos de alguns filmes, partindo de CIDADE DOS SONHOS, de David Lynch, que foi lembrado por Fabíola. Depois de ANTICRISTO, de Lars von Trier e SINÉDOQUE, NOVA YORK, de Charlie Kaufman. A discussão que nos trouxe tais filmes partia de uma busca nossa pela compreensão do que não se propõe a compreensão. Por exemplo, em CIDADE DOS SONHOS, acredito eu que o impacto da estranheza se faça forte e pleno, justamente porque é construído sobre lugares comuns. É possível entender? Acho que no IMPÉRIO DOS SONHOS (também de David Lynch), o afastamento de uma realidade mais comum dificulta o receber da ilusão desenhada sobre a mesma. É uma visão um tanto assim assim, mas partimos dessa discussão para pensar que o absurdo parte do embate com a própria vida. A Flávia trouxe as citações de Camus que eu havia postado e nisso ficamos presos, tentando articular um absurdo genuíno, ao invés de uma simples piração ou loucurinha. A questão é: como ser genuíno? Num momento da conversa, Adassa manifestou uma preocupação em montarmos algo que seja compreensível. A discussão se abriu, porque compreendemos que ser compreensível não quer dizer, necessariamente, ser fácil ou explicativo, abrindo em nós a necessidade de pensar em quais escolhas se manifestam melhor em relação ao objetivo do que mostramos e em relação a quem exibiremos nossa encenação. Ainda é confuso, mas será no movimento que as coisas haverão de se encontrar. Ou não.
Esqueci de falar para elas, por isso leiam aqui, a professora Adriana Schneider, no início do processo, me enviou alguns comentários sobre meu projeto e cito uma colocação dela que agora parece extremamente conectada com nossa busca:
nesse sentido, acho a sua proposta de DESesperar a espera, na tentativa de procurar a cena ou as cenas possíveis para Godot, tomando, abandonando e retomando, […] coloca o problema Godot no AGORA. Suas atrizes precisam ser muito espertas. Esta construção desconstruída destes personagens é uma experiência para experientes... Mas, então, um processo é o caminho para o desconhecido... é isso aí.
Procurar as cenas possíveis para Godot. Tomando. Abandonando. Retomando.
Raia durante 30 minutos. Partimos dos cinco comandos básicos. Assisti-as pela lateral. O meu foco era trabalhar três viewpoints específicos, que sem eu falar elas já começaram a desbravar, acrescentando outro mais. Foram duração, andamento, resposta kinestética e repetição. Justamente os VPS de tempo. Num dado momento, pedi que cada uma escolhesse apenas um VP e persistissem nele. Depois, pedi que cada uma, pelo Princípio de Desplugamento, saíssem do jogo e remodelassem o corpo das outras atrizes a partir de uma palavra (tentativa, erro, desejo e espera). Por meio dos PdD, foi possível ver que ferramenta cada atriz usou para alterar o jogo – para “MELHORÁ-LO” – que foram: manipulação de gestos, formas, relação espacial e arquitetura (ESPAÇO).
Improvisação. Elas haviam selecionado um trecho no ensaio anterior, trecho que deveria ser estudado/decorado por todas. A improvisação propôs que durante uns 30 minutos, elas ficassem COMEÇANDO e TERMINANDO a passagem solicitada, a partir do jogo com META e TEATRO. O foco da improvisação seria justamente testar possibilidades nesses dois regristros e, especialmente, a TRANSIÇÃO de um para outro. Talvez porque nem todas estavam com o texto decorado, muito rapidamente elas quebraram a ordem do texto e se dispersaram numa profusão de falas que nunca terminava a cena original para recomeçá-la. Este embate com o texto, apenas com ele, deve acontecer. Mas, ainda assim, muito foi produzido. Deste muito, algumas coisas gritam:
- como o registro TEATRO surge por meio de gestos largos e sob maior intensidade;
- o regristro META utiliza o texto do Beckett inserindo-o em práticas recorrentes do universo da sala de ensaio (bater texto, corrigir o texto dado pela outra, dar uma deixa a outra…);
- aconteceram momentos de simultaneidade muito interessntes. duas duplas fazendo a mesma cena, num mesmo registro. fiquei pensando depois, duas duplas, cada uma num registro da mesma cena. testar isso;
- mexer com a ordenação do original se revelou, de forma inevitável, mais um jogo dessa encenação. portanto, agora o temos: ANAGRAMAR;
Todo esse trabalho apontou para aspectos que precisamos nos responsabilizar, para não cairmos simplesmente num encenar engraçadinho de quatro atrizes desesperadas e passionais. É sério. Tive a atenção chamada para algo que já havia pensado meses atrás, mas que agora veio como que GRITANDO E CLAMANDO A NOSSA ATENÇÃO. Que é a necessidade de darmos corpo – IDENTIFICAÇÃO – para os nomes que são lançados pelo texto mas que na encenação não encontram identidade concreta, corpo. Quero dizer: na improvisação, quando falavam ELE, pelo texto sabíamos que se tratava da personagem LUCKY, mas ali, na improvisação, elas ficaram muito tempo falando ELE sem nos identificar que ELE é esse. (Era um corpo, um ser, um objeto, era o quê?). Depois, o texto da mesma cena nos dava BAGAGEM. Que bagagem? A cena se construia por um texto que carecia de corpo, de imagem, de concretude (não quer dizer ter ali um objeto, mas eu – espectador – preciso ver o que é isso a partir do qual a cena se dá). E essa questão se torna determinante na nossa encenação, justamente pelo fato de que “nenhum” SUBSTANTIVO (nome) do texto original me parece que manterá seu representante original. Ou seja, não sei se a BAGAGEM que no texto são as malas, serão malas na encenação. Por isso, aqui fica registrado a necessidade de trabalharmos esse
PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO
. O que no texto é substituído pelo o que na encenação?
Por último, a Flávia comentando a improvisação disse que enquanto jogava no registro META, tudo o que era feito lhe soava como DESISTÊNCIA. Enquanto que no registro TEATRO, os movimentos sugeriam TENTATIVA. Desbravando sua fala, percebemos, que tudo o que no regristro VIDA soa como desistência, pelo TEATRO se converte em tentativa. E isso é lindo. E sinceramente, sincero ao extremo.
Ainda sobre SUBSTITUIÇÃO, ao conversarmos um pouco sobre LAS MENINAS, capítulo que integra o livro AS PALAVRAS E AS COISAS, de Michel Foucault, evocamos a necessidade de lermos os materiais teóricos e substituirmos o objeto principal pela nossa encenação. Ao ler sobre o quadro de Velásquez, é interessante trocarmos AS MENINAS por ESPERANDO GODOT. Pelo jogo, ouvir o que estas trocas podem evocar.