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domingo, 29 de agosto de 2010

vazio é o que não falta, meninas

vou me dispor a discorrer de forma breve (ou não) sobre as nossas cenas, como costumo fazer. é um texto para vocês, atrizes. ada, fabíola, flavinha e helena. é o caos disfarçado em tentativa de organização. nada disso serve para arrumar, é tudo estímulo para deixar as coisas ainda mais difíceis (e sensíveis). pois vamos:

PRIMEIRA TENTATIVA ou ESTAMOS ENTERRANDO GODOT. o público entra e não sabe de nada, quase nada (é onde me engano). nem do nosso referencial primeiro, nem das últimas descobertas. por isso é importante já trazer esse livrinho, flávia. no entanto, para servir de exemplo, apenas. para mostrar sem precisar dizer nada mais. aliás, eu sugiro, é melhor enterrá-lo logo. não o livro-objeto, mas aquilo que está dentro dele. é melhor enterrá-lo. então faz-se enterro sem precisar se vestir de preto. o enterro vem pela intenção, meninas. pela precaução de fazer as palavras chegarem à outra. o enterro vem também pelo desespero de se fazer legível e comunicável (ada e flávia sabem do que estou falando). o enterro vem pelo não saber, fabíola. quase como se abrisse os braços querendo perguntar gente, o que é isso? sim, as coisas morrem, helena. vamos juntos pela respiração, pela conversa que vai chegando e querendo acabar com o silêncio. vamos juntos pela intensidade que o enterro vai fazendo surgir. a gente não aguenta esse silêncio todo. a gente quer falar, quer rir. sabemos que o silêncio ali é vontade acumulada de doer. mas vamos com calma, eu ajudo vocês a limpar. o diálogo faz com que vocês se aqueçam, eu digo, se esqueçam. por isso enterram o fulano. enterram profundamente e tão rápido se descobrem vazias dele. por isso, uma sugere o novo alvo da espera, né, ada? pode sugerir, nós vamos gostar, desde que deixem os peitos abertos para que algo novo aporte. essa palavrinha que sair daquele livro pode ser uma bomba para o dia. estejam despreparadas.

SEGUNDA TENTATIVA ou AS QUATRO EVANGELISTAS. ou quase que uma parábola para valorização das minorias. é sério, depois isso foi ficando mais claro, por que não acreditar em uma pessoa e acreditar em outras mil? onde está a crença? naquilo que se acredita ou na quantidade de crentes? para o bem e para o mal, acreditar em minorias é possível. para o mal e para o bem, em maiorias também. ou seja, estamos perdidos. isso se vocês não começassem um jogo paralelo entre vocês. isso se vocês não disputassem aquele foco (que não temos). ou seja, nos divertimos à custa de algo que nem sequer nos é problema. não tem ninguém ali querendo chamar mais atenção do que a outra. tem? bom, se tiver, divirtam-se, essa cena é exatamente espaço para esses desastres. só não nos deixem sem entender exatamente a coisa do 3:1. beleza, vamos mudar: a coisa do 1:3 (lê-se: um para três). fabíola mãos apresenta a questão. flávia setas remonta a questão. ada boca seduz atenção. helena susto ganha solidão. no final das contas, nós só somos por causa do outro, né? então é melhor tentar de novo:

TERCEIRA TENTATIVA ou SOMOS INESGOTÁVEIS. sim. somos sim. e daí acaba dando nisso mesmo. que bom que o rafa nos deu uma mesa e cadeiras. é bom sentar. reconhecer a fome e seguir, com mais escuta e comunhão (até que tudo desande novamente, como tem que ser). não se percam dizendo por dizer. ali só se diz o que é dito. e nada mais. nada fica no meio do caminho. tudo se assume, gente, tá tudo exposto, não? não queiram dar um texto novo apenas pelo divertimento de fazê-lo. não queiram ser autoras porque essa constatação se dá no mesmo momento da morte da obra. não se creditem, sigam jogando. existe algo ali sendo dito, sendo tentado, sendo posto em tentação. vamos fingir algo inédito. mas é tudo mentira, é tudo ensaiado, enfim… espaço para bancar a ficção. não é isso, no final das contas? deixem esse terror do inédito assolar vocês. queiram o mote! queiram o mote e ada, só nos entregue algo se for pela primeira vez. sempre pela primeira vez. esqueça que já sabemos, vamos todos esquecer. vamos brincar por alguns minutos que somos seres capazes de se surpreender. ai, pronto. vocês se ouviram e fizeram outro aborto nascer:

QUARTA TENTATIVA ou QUEM ALCANÇA SEMPRE ESPERA. eu fiquei pensando que fui jogado para dentro disso tudo. que divertido, estou com vocês. é sério. é legal. quero ter tempo para olhar para cada uma e dizer qualquer coisa pelo olhar. dizer o pavor de mentira mas que é real mas que podemos manipular. dizer que se acalmem e essas coisas que o diretor gosta de dizer mesmo sabendo impossíveis. sim. será divertido. vamos fazer o pior, me entendam, vamos convencer a galera que a nossa parada vinga. vamos deixar a fabíola no chinelo, até porque, ela vai dar muito problema nas próximas cenas. vamos então judiar dela, dar o texto que cabe na boca, dar a lágrima que não cabe no olho, dar os cacos que precisam ser tirados do chão para não ferir ninguém. vamos ouvir o que estamos dizendo, ficcionalizar a nossa ficção. uma escadaria de mentiras sinceras. a nossa profissão. desculpem-me se eu falar por demais formal. não sei o que vai dar dessa cena, sorte que os apoiadores abrirão espaço para confabularmos atrás das placas. e quando nos virem de novo, olhos nossos estarão cheios de água (de tanto rir escondido do absurdo nosso!). é ótimo estar com vocês.

QUINTA TENTATIVA ou O NOSSO PAPEL NISSO TUDO! é tão bom que naturalmente acaba. e a flávia está certa, gente, já não é a primeira cena, é a quinta tentativa. muita coisa já passou. muita coisa já foi tentada e nesse desejontade de erguer algo que dure mais que alguns minutos, partiremos para a qualquer coisa. Sim, tem que escolher, mas pode tudo sim. Eu digo a vocês. Pode tudo, Helena. Sobretudo você, faça o que quiser. Lembrem-se do nosso PdD. Lembram-se? Gente, ele está cada vez mais claro. É agora que a Fabíola depois de apanhar consegue ver o jogo (Fabíola, eu vou ver você arquitetando tudo isso. Eu estarei ali para isso). E Helena, crie raíz em cena. É a cena em que você tem tempo para respirar. Então respira e se crava. Pode se cravar. Enquanto isso a Ada e a Flávia giram e giram e giram e giram e giram. (Elas sabem que são cinco giradas). Pode qualquer coisa: sorte, porque podemos mudar o tapa e selar o encontro, dizendo as mesmas coisas, é disso que estamos falando. Da nossa capacidade - estranha, sim - de fazer toda e qualquer coisas ter sentido. O NOSSO. Então façamos, se for preciso, me solicitem. Eu estou ali para isso. Mas devo dizer: me divertirei à custa de vocês. Porque é engraçado. Sinceramente, aeromoça, baterista, musicista, enfermeira… Ada e Helena o supraobjetivo de vocês é matarem o diabético de tanto rir. E vocês sabem que ele ri com extrema facilidade, então… Provoquem-nos. A provocação é o que nos dá a cena. A cena é o que nos ata à Miranda. Sim, ela está ali.

SEXTA TENTATIVA ou NÃO QUEREM REPRESENTAR? sim, queremos. estarei presente, não se esqueçam. poderemos repetir, não se preocupem. não se esqueçam que cada uma tem uma carta de repetição para usar quando quiserem. o que eu acho? acho que helena e flávia tem que aceitar que são V(ladimir) e E(stragon). É aquilo ainda, mais intenso, mais fortalecido pelo tempo. Ada chega como P (poderia ser Miranda, convenhamos…). Enfim, Fabíola como L e por ai, vamos todos juntos, brincando de ser ficção outra vez. De manter pelo maior tempo possível os laços com quem nos vê. Vamos tentar isso, fazer durar aquilo que sabemos que vai acabar, mas que vale muito alimentar, ali, naqueles pedaços de existências compartilhadas, dilaceradas, fatiadas, expressas, reveladas… Enfim, vocês não querem representar? Então… Vamos lá. É hora disso. É hora para se esconder dentro do personagem sim e descansar deste mundo. É hora de ser integralmente o outro que não conseguimos amar. É hora de dar tchau para si mesmo e se esconder dentro de um corpo que nem sequer sabíamos possuir. É hora de surpreender sendo surpresa. É hora de morfar!

SÉTIMA TENTATIVA ou EL SILENCIO DE MIRANDA. Cansa, né? Fabíola, não perca aquela sua dor das apresentações anteriores. Não queira se fazer comunicável cantando dor nova, dando verbo e gemidos ao que precisa ser silêncio. Ele é fechado, morre em ti, mas mata a quem assiste também. Faz-nos cúmplices, laça, compreende? Sem orgulho, no melhor sentido da coisa. Deixa doer. Deixa, vai. Depois a gente se vinga, a gente funciona dessa forma. Então as três vão tagarelar, agora em três tempos, e eu te ajudo a arrumar o cenário para o assassínio (morre a palavra enquanto fundação do sentido). Morre pelo excesso, morre no grito! Sim! Tem que tomar biotônico! Tem que puxar o microfone do pedestal como já sabes! Enquanto isso, as outras fisicalizam o que a cabeça adoraria converter em palavras, mas não há voz exceto a sua, então, deixa o corpo gritar. Quebra tudo. Eu prometo, depois eu te ajudo a limpar. Ainda que com aquele pano imundo.

OITAVA TENTATIVA ou O MENINO…

encerro-me aqui. sem fim. nos vemos no ensaio.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Espetáculo da jovem companhia Teatro Inominável apresenta quatro atrizes e um diretor tentando montar uma peça de teatro


Estreia no dia 4 de setembro, no Teatro Glaucio Gill



A jovem companhia carioca Teatro Inominável apresenta o seu novo espetáculo, VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA. A peça propõe uma reflexão sobre o ato de criação de uma obra de arte, no caso, a própria peça de teatro. Tanto o elenco de quatro atrizes (Adassa Martins, Fabíola Sens, Flávia Naves e Helena Cantidio) como o diretor do espetáculo (Diogo Liberano) estão em cena, atados numa busca ininterrupta por aquilo que já se encontra ante ao espectador: o próprio espetáculo.

O processo iniciado em dezembro de 2009 partiu de uma proposta muito específica: se debruçar sobre fontes diversas com o intuito de investigar as etapas do que seria um processo de transposição para a cena dos meandros dramáticos de tais referências. Dentre os materiais usados como estímulos criativos destacam-se ESPERANDO GODOT do dramaturgo Samuel Beckett, filmes como DOGVILLE e CIDADE DOS SONHOS, respectivamente de Lars Von Trier e David Lynch, além do quadro AS MENINAS, de Diego Velásquez.

Frente do programa de porta

Durante boa parte do processo, que durou cerca de sete meses, a equipe esteve num embate contínuo com estas e inúmeras outras referências, produzindo cenas e uma dramaturgia marcada pela exposição do processo de construção do espetáculo. O teatro é o instrumento pelo qual as atrizes tentam se relacionar com o mundo e falar das questões que lhe são caras. A angústia existencial do ser humano é colocada lado a lado com a angústia criacional do grupo de jovens artistas.

O espetáculo começou como um projeto curricular dentro do curso de Direção Teatral da UFRJ, do qual o diretor Diogo Liberano é graduando. Ele pontua: “optamos por matrizes dramáticas que já tivessem alguma reflexão metalingüística sugerida, sobre a qual as atrizes pudessem somar a sua opinião sobre a construção do espetáculo. Assim, VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA se configura como uma encenação que é a metáfora do nosso próprio processo de criação”.

Verso do programa de porta

Na maioria das obras escolhidas como estímulos para o processo, observou-se um olhar sobre o ser humano marcado pelo absurdo da condição humana, pela angústia e esvaziamento dos valores, resultando num vazio existencial característico do homem contemporâneo. Diante dessa presença por vezes incorpórea, o esforço durante o processo foi o de tirar proveito do vazio, buscando sinalizar para a sua existência enquanto parte constituinte de todo e qualquer ser.

São quatro atrizes construindo cenas numa peça que não se monta de fato, visto que faz parte de sua própria constituição ser pedaço, incompreensão, tentativa. "VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA acabou virando um estudo sobre erro, tentativa, boicote e sobre o agora. Virou um estudo principalmente sobre os limites e expansões que fazem parte do ato de criar uma obra”, afirma Flávia Naves, uma das atrizes que integram o Teatro Inominável.

Cartaz/Flyer de divulgação do espetáculo

No blog do espetáculo (desesperandogodot.blogspot.com) é possível encontrar o relatório de cada um dos ensaios, além de artigos, vídeos, imagens e reflexões produzidas pela equipe durante o processo. De acordo com a proposta de encenação (também presente no blog), “não há nenhuma história aparente. Nada é dito. Tudo está para ser construído. O sentido de VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA está na busca do sentido. A peça é uma espera pelo olhar que a habitará e que se completa com a imagem do espectador”.

O espetáculo, que integra a ocupação Câmbio do Teatro Glaucio Gill, é uma aposta em intuições, por meio de um jogo com a linguagem e a exposição de sua própria falência. O próprio título do espetáculo, de acordo com a atriz Helena Cantidio “abre interpretações variadas, pois sugere a existência do vazio ao mesmo tempo em que sugere quase que uma declaração de amor ao vazio, como um convite para que o homem se disponha a jogar e se divertir com tudo aquilo que lhe é falta”.

Cortar e Coser

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Não há nada a ser feito

Princípio extenuado
Lugar perdido por todos os lados
Tudo vaza, cede, abala e condensa
Tentativas propensas nas nossas cabeças
Não há nada a ser feito

Levanto-me e começo a peça
Sem expectativa nenhuma
Sepultamento sequioso na primeira cena
Rápido e violento
Morte de um
Nascimento de outro
Germina-se Miranda
Admirada por nós pela sua divindade
Retorna-se por vezes e
Não há nada a ser feito

O porco é quebrado repentinamente
As palavras ganham massa e atravessam a cena
Somos inesgotáveis, mas
Não há nada a ser feito

Tenta-se de novo
Erra-se de novo
A cavalgada dirige-se aos Pirineus
Insisto mais uma vez
[ Se as atrizes pudessem pelo menos entender o meu jogo já seria de bom tamanho ]
Não há nada a ser feito

Somos pedaços
VELP-me?
Não há nada a ser feito

Tento uma ereção
A platéia debate-se entre nossas cabeças
Não há nada a ser feito

Improviso mais uma vez
Brinco de ser criança
Corro, giro e pulo corda
Somos insuperáveis
A criança surge
mas, e, portanto, todavia
...
Não há nada a ser feito.

sábado, 14 de agosto de 2010

Enterro

Miranda… Miranda, eu peço desculpas. Não tive tempo de te avisar. Não pude mandar sequer um e-mail. Foi uma sequência ininterrupta de acontecimentos que não se esperaram, foram todos engolindo tudo e agindo ao mesmo tempo. Desculpe-me, por não ter falado, não ter ligado, por não ter pedido a sua opinião. Por não ter dito e agora, Miranda?

A festa acabou. E não foi por falta de tentativa. Elas tentaram. Muito. Sim, foram mico papagaio hamster e até planta. Fizeram de um tudo, como se costuma dizer. Mas ele não veio. Ele não chegou. Ele não existe, Miranda. Godot está morto. Peço desculpas. Não consigo mais não ser direto, é isso, acabou. Ele se foi para nunca mais voltar. Ele que nunca voltou agora se foi de fato. Não pode ser sequer solidão. Foi-se para nunca mais chegar.

Mas, (pausa longa) nós continuamos. Nós, Miranda, continuamos com você. Inevitável. Por ti, sabemos que existe alguém de fato. Por ti, Miranda, vale continuar, vale o valor do ingresso, vale a busca porque - sabemos - há chegada. Você é certeza é coisa concreta é pergunta que não cessa é escuta e mar, que sabe ir tanto quanto voltar. Você, Miranda, é espaço vazio. Folha novinha. Página para os nossos desastres. Ah, eu não vejo a hora de te ver! Eu não estou comendo direito, pouco durmo, pouco sei, mas estou vivo, talvez como nunca estive. Eu não vejo a hora. Não vejo nada. Dentro algo vai consumindo a energia e é preciso ser forte, pois fica pesado de repente. De repente, tudo parece bobeira. De repente, estamos fadados à morte. Ainda que por vezes, sejamos só certeza.

Que difícil está tudo isso. Queria te mostrar isso. Queria te mostrar a falta de tempo. Queria te mostrar o cansaço, a febre, a dor, a zona do quarto, a zona do peito, a zona nos olhos, perdidos, parecendo margem de um rio silencioso e apaixonado. Miranda! Miranda! O que tenho para você é seu e está guardado.

E que o nosso encontro chegue logo. Até lá, vamo-nos-se-flertanto. Eu, tu, elas, e o mundo.

Do ainda seu,
Diogo Liberano