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quinta-feira, 31 de março de 2011

"as condições propícias para uma mudança de posição na sociedade"

Estas postagens reproduzem improvisações feitas com elenco, diretor e assistente de direção. São tentativas que acabaram, em seguida, editadas e viraram uma cena do espetáculo. Abaixo, mais algumas experimentações.

Nós temos aqui o diretor e as atrizes, do espetáculo Esperando Godot. Eu gostaria de começar por uma pergunta: como é esse seu personagem, o Estragon?
O Estragon é muito querido, mas que infelizmente não possui as condições propícias para uma mudança de posição na sociedade.
Como é que você lida com essa relação diretor/atriz com uma atriz que não está satisfeita com o personagem que lhe foi dado?
Bom. Na verdade, trabalhar com esse elenco de atrizes é uma surpresa a cada dia. Elas passam por momentos em que estão contentes e outros em que estão muito satisfeitas. O que a gente encontrou para pudesse guiá-las é um personagem. Então, eu não me relaciono com as atrizes. Eu me relaciono com os personagens. Nesse sentido, eu me dou muito bem com o Vladimir e o Estragon. E os outros personagens aparecem pouco, é tranqüilo, porque o relacionamento com eles é dosado. Com Vladimir e Estragon é um pouco difícil, às vezes, porque eles têm uma vida muito sofrida. E o nosso espetáculo está aqui para mostrar isso mesmo, essa vida como ela é.
Eu queria dizer que eu não estou insatisfeita com meu personagem.
Existem dois personagens que são secundários e nós somos muito bem resolvidos. Eu não tenho nenhum ressentimento em relação a isso, porque o meu trabalho foi muito incrível. O Pozzo, meu personagem, é um ditador. Quando eu preciso entrar fundo nele, eu acabo muito mexida, é pesado, é uma coisa que a gente não tem muito contato todos os dias. Graças a Deus eu entro nele só de vez em quando.
E sobre a outra atriz, a que interpreta o Lucky, porque ela não veio?
...
A gente precisa de um acompanhamento psicológico, porque realmente a relação entre esses personagens é muito dura, é muito pesada e é uma coisa que nos tira do nosso lugar.
E você, diretor? Fala um pouco mais dessa relação muito autoritária da sua parte já que nós sabemos que você veio de uma escola que te treinou para isso.
Bom, eu tive uma educação espartana nesse sentido. Eu estudei numa escola que me formou como diretor teatral e não como recreador de elenco ou animador de festa. E sendo diretor, eu tenho que coordenar tudo isso e dar ordem, porque eu realmente tô no topo dessa hierarquia, então por vezes eu tenho que usar de força para isso. A relação que eu tenho com o elenco é nesse lugar, elas têm respeito por mim e eu por elas, mas por vezes eu preciso intervir para que o barco não afunde. Eu costumo dizer isso, é uma metáfora muito boa de uma peça de teatro, porque nós estamos em alto-mar, num lugar muito instável, e não se pode ceder, porque se uma cede o peso se balanceia e o barco afunda. De qualquer forma está sendo uma experiência muito incrível, sobretudo porque as atrizes se permitiram ser esses personagens e não interpretarem.
A visceralidade em Beckett é muito importante, porque sem ela esses personagens soam supérfluos, vazios, e eles não são isso. Eles são um extrato da condição humana de uma forma que poucos escritores e dramaturgos conseguiram alcançar. De fato, as atrizes ficaram um dia inteiro, pegando sol e chuva, paradas em pontos espalhados pelo Rio de Janeiro, à espera de Godot. Beckett escreve personagens desprovidos de razão, perdidos, eles são quase animais. Por isso fizemos residências com cachorros, gatos, pombos, porcos, cachorros e pombos, tudo para buscar uma corporeidade animalesca aos personagens.
Eu gostaria de retificar uma coisa. Eu como atriz me sinto muito revoltada quando falam que o nosso espetáculo é absurdo, mas não é, é realidade! Se a realidade é um absurdo, tudo bem... Mas tratar a gente como absurdo eu já não gosto, eu me sinto revoltada.

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quarta-feira, 30 de março de 2011

O estranho é...

... que eu continuo esperando. Merda.

 

Improvisação Falada

Palavras escritas em ensaios passados. Não levem nada tão a sério.


Como é montar Esperando Godot nos dias de hoje? Já que tratar da espera, dessa incerteza de lugar, desses personagens que, desses vagabundos, desses miseráveis, o que vocês acham que move essa espera de Godot?
Os personagens se revoltaram contra o sistema capitalista e não entraram na máquina. Então, para mim, hoje, fazer Esperando Godot é me colocar fora desse sistema e tentar descobrir o que é que organicamente isso me traz.
Lucky e Pozzo. Como se avalia uma relação de escravo e senhor nos dias de hoje?
Eu acho que não existe uma distinção entre os dias de ontem e o de hoje. Essa peça, Esperando Godot, continua a mesma. A gente tem que ter muito respeito a essa obra pela forma como ela foi feita. A nossa montagem é clássica e a relação Pozzo/Lucky é a relação que Beckett coloca em Esperando Godot.
A gente fez uma pesquisa, né? Lemos outras obras de Beckett. E eu acho que reproduzir uma obra de 1949 em 2010, ela é muito atual. Hoje em dia a gente vê essa relação de mandante e mandado. A gente se identifica muito e entramos numa pesquisa profunda sobre as relações entre as personagens assim como Beckett escreve.
Assim, pensando que os personagens, os vagabundos, estão fora de um sistema capitalista que começa a aquecer as turbinas após a segunda guerra. A gente chegou a essa conclusão, a de que Pozzo e Lucky estão tentando entrar nesse sistema, tentando se adequar a ele.
Como você acha que é para o público, já que se trata de um espetáculo grande, com dois atos, cerca de duas horas de duração?
Sem dúvida é um pouco estafante duas horas de espetáculo. Mas nós procuramos encontrar aquilo que a gente chama de alívio cômico, que são alguns jogos entre os personagens, algumas brincadeiras que o próprio Beckett propõe, números de palhaço, gags que ele propõe, que entram no decorrer do espetáculo e causam um certo alívio no drama que esses personagens estão vivendo. Porque eles estão vivendo um drama, eles estão ali esperando uma coisa que eles sabem que não vem... É uma espera que está meio viciada. É muito atual, porque ainda estamos esperando, desde a época em que a obra foi escrita... A duração do espetáculo existe nesse tamanho para nos dar a dimensão dessa espera, enquanto os números cômicos proporcionam certa fruição ao espectador.
Como que vocês articularam a decrepitude que passa a tomar os personagens a partir do segundo ato? Um fica cego, outro mudo, de que forma vocês lidam com isso?
É. Da forma como Beckett escreve na peça dele, Esperando Godot. A gente lida da forma como ele colocou.
A gente fez um laboratório no Instituto Benjamin Constant e também no Instituto de Surdos e Mudos de Laranjeiras.
É, porque eu acho fundamental a gente resgatar o que há de fato humano, né? O ser humano passa por isso, fica cego, fica mudo e a gente teve a oportunidade de ter esse contato. Eu fico realmente feliz, porque a minha experiência foi encantadora. É realmente um resgate da humanidade, o meu personagem está cego, de fato. Que é uma coisa que a gente nem vê tanto hoje em dia nos espetáculos que estão por ai.
Beckett escreveu esse espetáculo para quatro homens e nós somos quatro mulheres. Vocês podem achar isso estranho, mas o diretor teve o cuidado de chamar quatro mulheres homossexuais. Isso foi muito importante. Nós temos a nossa parte masculina muito aflorada.
É interessante a gente conseguir colocar em cena realmente a nossa masculinidade castrada.

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