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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Corpo Miranda

Meu corpo é um arco que ora se dobra ao sul do meu umbigo, ora se curva ao norte da minha cabeça. Em ambas posições meu corpo excede em torções, desequilíbrios, desajustes e inflamações. Na curva ao nascente ele se agita evocando a prece, na dobra ao poente ele se contrai evocando a morte. Assim é meu mundo no encontro com Miranda, mundo interior vazado e ardente. E até que com esse dentro eu ando me entendendo, mas é que a fissura está no mundo que se agita fora de mim. Não sei, estou aprendendo alguma coisa, não mesmo, estou é apreendendo alguma coisa, darei nome a essa força combustiva que me transforma a cada experiência, darei nome ao que não se pode dizer somente porque a tudo o que nomeio o seu contrário me faz sentido. Aí está: Estamos fazendo Miranda, é cíclica a nossa trajetória assim como a nossa lida com o tempo, as repetições exageram essa curva que se dobra nela mesma. Estamos caminhando em círculos tal qual os personagens de Godot. Infelizes de nós que não conseguimos fazer dessa batida outra música, felizes de nós que juntamos vozes e somamos a essa história uma outra melodia. Então eu falo da angústia que é cravar as unhas nessa parcela imutável que nos constitui e percebo nesse instante que mesmo não conseguindo controlar os engasgos de sempre e as torções constantes, mesmo que meu corpo volte ao mesmo ponto de onde partiu e eu não consiga quebrar o aro desse círculo, percebo que é possível cavar buracos. O movimento topológico dessa pele se dá no seu interior e não na sua superfície. Não caminhamos deslizando os pés no asfalto, caminhamos afundando nossos pés na lama. Não cabe em Miranda movimentos horizontais pois esses já existiam antes dela, o que em Miranda se abre de novo são furos no chão que não se esparramam, concentram; não se estilhaçam, perfuram.

terça-feira, 29 de maio de 2012

“A peça não é boa”

Bom, a verdade é a seguinte: neste sábado, 02 de junho, às 20h, na sede da Cia. dos Atores, o Teatro Inominável traz novamente aos palcos cariocas o seu segundo espetáculo, estreado em 2010.

Em Vazio é o que não falta, Miranda, quatro atrizes e um diretor tentam, a todo o custo, encenar a obra Esperando Godot de Samuel Beckett, sem obter sucesso. O espetáculo nasceu de um longo processo no qual elenco e diretor de fato tentaram trazer à cena a obra de Beckett, porém, acabaram por reescrever os caminhos ditados por esta obra mundialmente conhecida.

Miranda cumpre temporada de sábado à segunda-feira, sempre às 20h, com entrada franca (basta chegar com trinta minutos de antecedência e retirar sua senha). Durante as três semanas, o Inominável também apresenta as MESAS TOMBADAS, uma série de conversas com convidados super especiais. Segue abaixo a programação completa:

Segunda-feira, 04 de junho, às 18h
TEATRO E METALINGUAGEM, com o diretor teatral ENRIQUE DIAZ
Mediação de Diogo Liberano

Domingo, 10 de junho, às 18h
TEATRO E PERFORMANCE, com a performer/teórica da performance ELEONORA FABIÃO
Mediação de Natássia Vello

Segunda-feira, 18 de junho, às 18h
TEATRO E ARTES PLÁSTICAS, com a artista plástica LIVIA FLORES
Mediação de Caroline Helena

Não deixem de prestigiar o espetáculo e, sobretudo, também não percam as conversas. A entrada é sempre gratuita, bastando chegar com antecedência de trinta minutos para retirada de senha.

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domingo, 27 de maio de 2012

“A peça está pronta! A peça está pronta! A peça está pronta”

Bom, de acordo com a inominável Adassa Martins, nosso espetáculo Vazio é o que não falta, Miranda realmente está de pé. Bom, há quem duvide. De qualquer forma, o início de nossa temporada está chegando. Já no sábado que vem, dia 02 de junho, às 20h na Cia. dos Atores (Rua Manoel Carneiro, 10-12, Lapa), o Inominável retorna aos palcos com o seu espetáculo xodó.

Em cena, as quatro atrizes da companhia (Adassa Martins, Caroline Helena, Flávia Naves e Natássia Vello) e o diretor e dramaturgo Diogo Liberano tentam a todo custo encenar a obra máxima de Samuel Beckett, Esperando Godot. A montagem estreou em 2010 e agora, a convite da Cia. dos Atores, retorna para a sua terceira temporada.

Muitas pessoas que já assistiram ao espetáculo, quando convidadas novamente, dizem o clássico “eu já assisti”. Bom, com toda sinceridade, MIRANDA não consegue ser a mesma por muito tempo. A pesquisa e o trabalho, desde 2010, modificou tudo o que tínhamos e aprofundou nossas buscas enquanto companhia. A dramaturgia é inédita e, naturalmente, o jogo cênico é também renovado. Vejam de novo!

Permaneceremos em cartaz de 02 a 18 de junho, aos sábados, domingos e segundas, sempre 20h. A entrada é franca, portanto, não deixem de vir. A lotação do espaço é de 60 lugares e - em breve - divulgaremos os três convidados que virão bater um papo antes de três apresentações.

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sexta-feira, 18 de maio de 2012

Para amar o vazio

Falta escrever o texto da setima tentativa. EL SILENCIO DE MIRANDA. Neste eh necessario um depoimento, para que se toque no vazio, ali onde nos encontramos. Precisamente ali quando amigos nos tornamos. Seria este depoimento a moral do espetaculo?

Sim. Sem medo de fazer sentido. A nossa moral nao eh jogo do certo e errado. Ela tange primeiro a pele. Por ser aqui e agora ela eh micro, mas tao sincera e fragil que eh capaz de morrer. E tambem consumir.

Para falar do vazio eu preciso sentir meu estomago. Eu preciso saber o que eh metafora. Para ser amigo do vazio eu preciso encontrar minha ignorancia e ultrapassa-la via positiva. Eu preciso olhar o centro do meu ridiculo e me ver por conta disto mexido. Movido. Tirado do eixo. Quase bobo e fora de moda.

A morte. O suicídio. A arte. O VAZIO atende por vários nomes.

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quinta-feira, 17 de maio de 2012

“Tem uma hora que o sujeito tem que entender que algo simplesmente não deu certo e que é melhor enterrar...”

Reflexões a partir dos últimos dias e ensaios

MIRANDA está com tudo em sala de ensaio. E fora do ensaio também está. Como pode uma obra te requisitar o tempo inteiro? Você entra num ônibus e vê pela janela uma sacola voando solta em meio ao vento. Daí eu penso: isso tem a ver com aquela sensação de descontentamento pleno, que finaliza uma das cenas de MIRANDA, não tem?

Quer dizer, pode tudo, né? Qualquer coisa serve. É isso mesmo. Não há culpa. Problema algum. MIRANDA mais uma vez está abolindo o sim e o não. Abolindo o bom e o ruim. Não sobra direita e/ou esquerda. O vazio não tem qualidade, é espaço em branco para todo e qualquer desastre. É difícil. Sim! Está sendo mais ainda agora, quando dizemos a todos e a todas deter consciência sobre o nosso material de trabalho. É mentira.

Quando achamos deter consciência, descobrimos nova ignorância. E isso se chama estar vivo.

É assim mesmo. Ontem, antes de dormir, abri o CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS de Nietzsche e - Divina Miranda! - estava você ali revistada em palavras. Todo o seu mistério, toda a sua embriaguez, estavam explícitos. Era tu explicitada.

Estas palavras hoje são menos uma coisa do que outra. Quero dizer: eu estou escrevendo para tentar desanuviar a vista. É muita reflexão. MIRANDA consome a energia do corpo só por pensarmos. É muita sinapse. É IMPOSSÍVEL NÃO PENSAR.

Mas, preciso compartilhar algo no mínimo engraçado. Um dos professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na qual me graduei e na qual nasceu este espetáculo, em resposta a um e-mail enviado pela atriz Natássia Vello (solicitando o empréstimo de uma mesa de luz para nossa temporada), acabou escrevendo o seguinte sobre o nosso trabalho:

Não acredito que o Diogo quer retomar aquela porcaria de "Não-sei-o-que da Miranda"!!! Tem uma hora que o sujeito tem que entender que algo simplesmente não deu certo e que é melhor enterrar...*

Caramba. Que revelação ler as palavras dele (a mim, obviamente, não destinadas). Ele sintetiza em poucas linhas justamente a definição deste trabalho. A questão que se impõe é justamente esta: por que é que é preciso enterrar aquilo que não deu certo? De onde nasce essa exigência? Aliás, que exigência é essa? Quem dita isso? O que é dar certo ou errado, caro velho professor universitário?

Eu, sinceramente, acho melhor que se enterrem outras coisas e pessoas deste mundo. Não há nada aqui a ser entendido. A busca em MIRANDA não é para entender, mas justamente para sentir ser possível ser erro pleno e ser sem sentido. A busca de MIRANDA é justamente o avesso do que é a Academia para você, caro professor. A saber: um micro-celeiro sob organização hierárquica para construção de seres infelizes, para a construção de futuros mendigos (de força e espírito).

Ora, convenhamos. Beckett, talvez dissesse: esse cara é um comi-trágico.

De qualquer forma, dia 02 de junho - quer isso seja bom ou ruim - VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA entrará em cartaz na Cia. dos Atores. Venham todos e todas!

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terça-feira, 15 de maio de 2012

“O que pode um corpo que sofre?”

Segue abaixo o vídeo teaser com a atriz Caroline Helena. A nossa (re)estreia está confirmadíssima para o sábado, 02 de junho de 2012, às 20h na Cia. dos Atores. A entrada é franca, basta chegar com uma ligeira antecedência para retirar seu ingresso.

Fiquem ligados em nosso blog e redes sociais. A qualquer momento, informaremos sobre as mesas de debate que acontecerão durante a temporada.

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quarta-feira, 9 de maio de 2012

“Eu não me sinto feliz”

De fato estamos ensaiando Vazio é o que não falta, Miranda. Mas, convenhamos, não é para tanto. Neste vídeo, a atriz Flávia Naves expõe um pouco do seu descontentamento com o nosso processo. Paciência, Miranda chega aos palcos no dia 02 de junho, permanecendo na Cia. dos Atores até 18 de junho, de sábado à segunda-feira, sempre às 20h.

Em breve, informações completas. Estamos planejando um ciclo com debates com convidados, sempre antes das apresentações que acontecem às segundas. Fiquem ligados aqui no blog ou em qualquer outra rede social do Inominável.

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segunda-feira, 7 de maio de 2012

Por que o vazio é aquilo que não falta?

Reflexões de Hoje Sobre o Ensaio de Ontem (06 de Maio)

Desta vez a coisa se revelou para nunca mais ser esquecida. Ontem nos perguntamos a pergunta mais crucial de todas - neste momento - que é: por que é que o vazio é aquilo que não falta? Por que dizemos à Miranda - quem quer que ela seja - que vazio é o que não falta?

Um amigo - Evângelo Gasos - ao escrever um depoimento sobre a terceira montagem do Teatro Inominável - COMO CAVALGAR UM DRAGÃO [atravessar.blogspot.com], manifestou que DRAGÃO havia sido o primeiro trabalho da companhia em que ficava visível - para ele - aquilo que de fato parecíamos querer dizer. Ele escreve que nos trabalhos anteriores (NÃO DOIS e VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA), ainda é difícil alcançar aquilo que nos move, aquilo que queremos dizer/expressar.

Desde então eu fico me perguntando: como tornar visível aquilo que nos consome criativamente mas que não se expressa ao público? Como comunicar? Seria isso? Comunicar?! Enfim… A verdade é que este re-processo de MIRANDA está se movendo a partir desse apontamento feito pelo amigo Evângelo. Eu tenho buscado - quase desesperadamente - injetar na cena (e para fora dela) a nossa motivação, o porquê desta peça, deste discurso nosso fruto deste agora. Como expressar? A dramaturgia como ponte: de nós até você que nos assiste.

Então, no ensaio de ontem (no qual apenas lemos o texto das duas primeiras tentativas), a coisa veio imediata e sem possibilidade de escape. Fomos juntos entendendo que matamos GODOT e o trocamos por MIRANDA, porque MIRANDA talvez seja mais nossa do que de outra época. Isso não se explica. É quase uma intuição. Cansamos deste nome GODOT e daquilo tudo que nele foi impregnado com o passar dos anos.

O GODOT morreu para todos nós, mas a espera não! A espera sobrevive e não é nosso objetivo exterminá-la. Quem somos nós? Somos seres que ainda esperam, mas a nossa espera é diferente. É mais MIRANDA que GODOT. A nossa espera é fruto de um novo século que já nasceu ignorante do que possa ser esperar. Somos filhos do espetáculo e também do seu esfacelamento. A nossa guerra não é mais mundial, é metafísica egocêntrica e se volta contra o tempo que passa. Temos pressa e nisso, falecemos.

A espera deste tempo é ativa e pouco auto-comiserada; é espera móvel e sim, talvez, um pouco desesperada. A nossa espera a gente grita alto e com ela faz rebuliço. A nossa dor a gente aprende a converter em outra coisa que não somente dor. Não é fuga da dor, não é esquecimento da tortuosidade dos caminhos. É apenas maneira outra de lidar com aquilo já instituído. Já arraigado em nosso - famoso - inconsciente coletivo. Não é hora de nomearmos o inconsciente de inconsistente coletivo?

Eu me emociono com a façanha que é fazer MIRANDA. Eu me emociono porque MIRANDA me ensina a ver luz quando o que me é dado - dizem ser - apenas escuridão. Cansei. Cansamos. Não queremos acreditar só nisso. É pouco demais. É segregador e tendencioso. Tem que haver algo mais. E se não houver, aqui estamos nós, esperando que possa existir alguma outra coisa que não somente o já dito. Afinal, qual seria o nosso papel nisso tudo que não este, o de recriar a vida e lhe oferecer vias distintas para seu brilho e esfacelamento?

Vazio é o que não falta, Miranda, portanto vamos amá-lo como princípio constitutivo. Vamos amar o vazio e descobrir seu fundo. Vamos juntos além da vaguidão do tempo para encontrar numa fagulha do momento agora algo que nos sacie e faça ainda mais desejar.

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Referência trazida durante o processo pelo cenógrafo Rafael Medeiros

No final - ou início - das coisas, há apenas o desejo feito areia movediça: é impossível ficar indiferente ao movimento.

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domingo, 6 de maio de 2012

Psicologia Invertida

Reflexões Sobre o Ensaio de Ontem (05 de Maio) Indo de Ônibus em Direção ao Ensaio de Hoje

O trocador acabou de me alertar que um cara foi assaltado dentro do ôonibus por ter tirado o seu laptop para fora da mochila. Bom, é só mesmo o que falta acontecer. Paciência. Vou seguir escrevendo.

No ensaio de ontem aconteceu uma coisa muito engraçada. Quer dizer, não teve graça, na verdade aconteceu algo bastante sintomático neste processo. A atriz Natássia Vello (que agora integra o elenco original de MIRANDA e substitui Fabíola Sens) teve, como dizer?, um pânico processual. Uma fobia expressa. Um entupimento explodido em choro descontrolado.

Quero dizer: tive que interromper o ensaio pois de fato não fazia sentido continuar. Mas percebi - conversando com as meninas - algo muito interessante: a construção das personagens em MIRANDA (ou a construção dos seus respectivos lugares enquanto atrizes nesta encenação) coloca as meninas num lugar invertido.

Lugar este espaço para a gênese de uma poética da negação.

Quero dizer - parte II - não há construção de uma psicologia do meu papel, da minha personagem. O que há é um jogo a ser jogado - dramatúrgico e cênico - que se constitui e se firma mais e mais a cada segundo que problematiza e transtorna a psicologia pessoal de cada atriz. Ou seja: quanto mais movem seus corpos e estados e crenças e facilidades/dificuldades na realização da cena, mais se está MIRANDA e menos se está a si própria. Jogar MIRANDA é jogar o instável. O tempo inteiro. E, convenhamos, quem realmente está curtindo ficar na corda bamba?

Sugiro aqui um movimento curioso para se pensar a tal da poética da negação (FLORES, L.). Eu quero dizer que não há construção da personagem (com seus psicologismos e afins). Há um movimento do ser atriz que funciona na medida em que cada uma das meninas se permite ser estando. É menos ser alguma coisa e mais estar ali, de corpo aberto e com corpo aberto presentemente.

Mais do que sobreposições de camadas, de habilidades, de subtextos e desejos/vontades, o que deve ser somado em seus corpos são apenas os segundos (que morrem e nascem numa rapidez assustadora) e a capacidade de transitar entre eles. De sair de um ponto tal e já se ver firme noutro ponto (por vezes muito distante e oposto ao original).

Estas coisas que venho escrevendo, estas reflexões pós-ensaio, são tentativas muito imediatas de lançar por sobre a criação do espetáculo um olhar mais atento de seu percurso criativo. Ontem nos aconteceu isso. E me pareceu mesmo um achado ter conseguido ver como a construção psicológica em MIRANDA é justamente a desconstrução e o assassinato de qualquer psicologia que se almeje como inteireza, como centro e eixo regulador.

Não há unidade. A unidade seria a completude (?). Em MIRANDA, abrimos vagas para nunca esquecer que há falta e desejo, a mover o espírito e o corpo.

MIRANDA é um liquidificador desgovernado e as meninas, farinha água leite e ovo.

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sábado, 5 de maio de 2012

Com quais ferramentas criar?

Reflexões na Manhã Seguinte ao Ensaio de 04 de Maio de 2012
Aqui estou eu dentro de outro táxi indo rumo ao ensaio desta manhã de sábado. Faz um sol delicado sobre o Rio de Janeiro e meus olhos seguem filtrados por um óculos escuro, mirando esta tela, Miranda.
Eu pensando sobre o ensaio de ontem, aquele no qual começamos de fato a erguer nosso novo espetáculo. Há uma clareza irrevogável: aquilo criado pelas atrizes é desde já inscrição da cena. Quero dizer: as proposições serão levadas a cabo até o fim. Eu vou tentar, como dramaturgo-diretor, não abandonar nada, mas justamente escavar o fundo lógico inconsciente.
Miranda me deixa abusado a ponto de me fazer esperançoso e delicado.
Quero dizer: com quais ferramentas elas - as atrizes - criarão nossas cenas? Há algumas que listo agora: a) a descrição das personagens, a dramaturgia posta num papel; b) o jogo relacional entre as atrizes, acentuado e assegurado pela prática livre com viewpoints; c) os jogos criados por nós e que sustentam a encenação (3:1 \ fala perdida \ dicotônico \ corifei \ PdD)... Quero dizer: são quatro atrizes com pontos de vista muito distintos e é dessa diferença que nasce uma vida/espetáculo.
O movimento agora é acompanhar a montagem dos blocos e realizar composições - criadas pelas atrizes - para cada um dos blocos. Eu, diretor, sigo recebendo e me colocando em contato com tais materiais. Agora ainda é preciso não saber, dar férias às vontades e deixar seus corpos ganharem ou não as apostas apostadas. A cada dia se chega mais perto. Ou não. Não importa.
A gênese do contraditório - que é como nomeio o trabalho feito a partir do uso de composições - volta à Miranda, porém certamente de maneira diferenciada. Revisitada. Atualizada. O contraditório é hoje mais ficção do que problema maior em mãos. A contradição resta expressa no gesto, na saturação das convicções. Quero dizer: mais que ser contraditório, devemos agora buscar a certeza de nossas apostas, de nossos discursos, para a partir desse primeiro chão, fazer brotar a discordância, o paradoxo, o drama e a comédia.
Complexo? Nem é. Super fácil. Acredito que daqui a pouco seja possível deixar esse falatório ainda mais claro e útil. Ou não. Mas convenhamos, claro para quê? Claro para quem? São apenas palavras aqui reunidas. Reflexões que precisam ser expressadas para não correrem o risco de matar e/ou morrer. Apenas um sopro nesta manhã de sábado.
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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Espaço e tempo da ação \ Personagens

Espaço e Tempo da Ação
AQUI E AGORA

Personagens
QUATRO ATRIZES E UM DIRETOR TEATRAL

HELENA Quer ser sincera mas não consegue. Sofre a beleza das amigas e tem por elas inveja de cor marrom. No íntimo deseja ser homem. No comportamento já o é. Curte artes marciais e teme brigas. Não tem graça alguma pois nunca conheceu a felicidade. Sente fome mas não sabe o nome que nomeia a sua vontade. Desentende o significado das palavras “inércia” e “silêncio”.

LIBERANO Concentra em si as piores qualidades de um homem: arrogância e violência. As piores de uma mulher: cinismo e sedução. E as piores de um cachorro: morde e mija em cima. Sente-se onipotente, onipresente e omnisciente. Consegue transformar tudo em verdade, especialmente mentiras. Sofre de uma doença que o consome, mas é ignorante de tal fato, como de outros.

MARTINS Quer aparecer mais do que qualquer outra pessoa no mundo. Emociona-se com facilidade e se usa de tal fragilidade para conseguir aquilo que deseja. Submete-se com facilidade ao que lhe é imposto na esperança de parecer bondosa e dedicada. Dissimula sua real opinião das coisas até o limite máximo da insuportabilidade. Costuma quebrar aquilo que não lhe pertence.

NAVES Quer mandar naquilo que não lhe compete. É altamente invejosa, apesar de esconder suas reais intenções em prestatividade e doçura. Não consegue tolerar a opinião alheia sem que antes imponha a sua própria. Adepta da pirraça e de escândalos, quer ganhar falando mais alto. Gosta de humilhar aqueles que, porventura, estão em posição submissa a sua.

VELLO Quer fazer parte do grupo mas não consegue. Seu corpo depõe contra a delicadeza que arduamente tenta transparecer frente as amigas. Curte linguagens híbridas e, portanto, facilmente se distancia para acariciar o próprio umbigo. Sente prazer e se masturba em lugares públicos. Gosta de se fazer vítima de grandes brigas, bem como de puxar cabelos que não os seus.

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Dramaturgia do acontecimento

Reflexões Imediatamente Posteriores ao Ensaio de 02 de Maio de 2012

Tentarei colocar em palavras um pouco deste movimento atual de escrever VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA. Como se sabe, em junho teremos uma nova temporada de MIRANDA no Rio de Janeiro. Será a nossa terceira temporada, sendo que as duas anteriores aconteceram, respectivamente, em setembro e dezembro de 2010.

Desde dezembro de 2010 não apresentamos o espetáculo. E ao decidirmos voltar com MIRANDA neste ano, percebemos que precisaríamos rever MIRANDA, entender novamente se a fagulha inaugural que nos arrepiava ainda era capaz de nos seduzir. E é. Mas não vou falar disso. Vou tentar discorrer sobre a consistência, sobre a constituição das ações em MIRANDA. Sobre a dramaturgia, por assim dizer.

A dramaturgia deste espetáculo é cênica. Majoritariamente cênica. Ela depende do corpo das atrizes. De suas vozes (várias em cada uma) e dos estados, dos calores, ou seja, não é dramaturgia que possa ser lida. Qualquer tentativa nesse sentido - a saber, o de palavras postas num papel - é pouco. É insuficiente. Nada novo, talvez. É assim com as encenações teatrais, eles sempre se materializam para além de palavras. Acontece que a dramaturgia textual de MIRANDA deveria conseguir domar o acontecimento, o arrepio, a instabilidade.

Sendo assim, como escrever o tremor? Como escrever terror, dificuldade e desorientação (para citar Bogart)? Como ser escrita-liquidificador?

Não se escreve. Não tem como. Assim, no ensaio de hoje, entreguei ao elenco e a mim mesmo a primeira cena, a nossa primeira tentativa, intitulada ESTAMOS ENTERRANDO GODOT. Nesta cena - ou tentativa - tentei escrever uma espécie de dramaturgia-roteiro, pela qual as atrizes possam passar seus corpos e atravessar o sentido ali em palavras concentrado.

Quero dizer: nossa dramaturgia acontece em movimento (não no papel). Quero dizer: nossa dramaturgia é escaleta de acontecimentos que precisam ser performados, que precisam de tentativa, lapidação e suor. Quero dizer: sendo assim, nada em nosso dramaturgia é tão certo, nada é tão fechado.

Nesta dramaturgia que aqui chamo do acontecimento, interessa-me sobretudo plantar problemas que possam vir a ser desdobrados via ação e afeto. A escritura acontece pelos corpos das atrizes e também pelo meu. No papel, apenas um fio a seguir.

O uso de rubricas pontua as mudanças de blocos, digamos assim. Quer dizer que em uma tentativa, há pequenos pedaços que formam o todo. Nestes pedaços, ouso sugerir escalonamentos, ou seja, cada bloco pode ser feito por uma atriz, ou dupla de atrizes. Em outros blocos todos estão em diálogo.

O mais interessante que conversamos no ensaio de hoje foi que toda a cena - toda a tentativa (mesmo quando “eu” não estou “em ação”) - pode me alimentar a explodir minhas ações físicas e textuais. Contracenação. Alimentamo-nos uns dos outros. Como dar corpo ao meu personagem?

Na postagem seguinte, disponibilizarei a descrição das personagens que alimentam o roteiro da peça e nosso imaginário. Por hoje é isso.

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