\\ Pesquise no Blog

domingo, 24 de abril de 2011

Eu gostei do cachorro,

Ontem minha mãe e minha irmã, que assistiram MIRANDA no final do ano passado, estavam aqui dentro de casa rindo da peça. Elas estavam ligeiramente em dúvida se deveriam compartilhar comigo suas opiniões sobre a peça. Fiz com que ficassem à vontade para dizer tudo o que quisessem falar e foi assim que elas começaram a discorrer sobre o que sentiram. Para começar o nome, disse minha mãe, como é?, ATÉ TU, MIRANDA?. E eu disse, não mãe, o nome é mesmo difícil. E então ela seguiu falando que até hoje não sabe se aquilo que quebra e que me faz correr atrás de uma vassoura faz sentido, porque ela não sabe bem se aconteceu sem querer ou se era ensaiado. Ela não gostou, ela levou um susto. Ela disse que amou o cachorro e que ele é muito bem interpretado.

Vejam vocês. O sentido de fato não está conosco. MIRANDA permanece inerte brilhando dentro de uma constelação perdida. Eu quero tocar nela! Eu quero tocar novamente!

Eu acho que gostaria de assistir a um espetáculo que me fizesse sentir burro. Não burro por não saber, mas burro justamente por saber que nem tudo é preciso ser sabido. Certas coisas, são só susto, só arrepio. Só baba de cachorro sem nome que cai sobre a pele e ali fica, porque ali pode ficar. Feito mistério.

\\
Diogo Liberano

sexta-feira, 15 de abril de 2011

"Não entendo porque montar Esperando Godot na íntegra"

Mais material produzido em improvisações faladas, como costumamos dizer.

Justamente. Há uma pretensão do fazer teatral contemporâneo que é querer impor sobre uma dada obra uma nova leitura, como se a obra já não tivesse nela mesma uma visão de mundo. Nós, pelo contrário, nos permitimos assinar junto ao Beckett.
O importante para nós foi ressaltar o quanto o ser humano está fadado ao sofrimento. E o texto de Beckett nos fala disso, do homem enquanto mendigo, vagabundo, escravo de sua própria existência.
Angústia, crise existencial, sofrimento, solidão, dor, esfacelamento, vazio, vazio, vazio... Ainda é importante para vocês falar de tudo isso? Vocês ainda acham que tais assuntos sejam questões na contemporaneidade?
O texto original de Beckett é uma obra do pós-guerra, época em que a Europa – e o mundo – estavam destruídos. Como é que a encenação de vocês lida com esse referencial? Como vocês dão conta dessa questão histórica e extremamente fundadora da nossa civilização?
Fico comovido com a ousadia de se resgatar um teatro tão marcado historicamente, mas o fato é que o espetáculo de vocês não nos acrescente nada de novo. Ele se estagna de tal forma que se torna incoerente com o universo que a gente vive. Então, eu me pergunto: por que se estacionar em um tempo que não nos diz mais nada?
Vocês falam como se realmente o teatro tivesse essa função de resgatar memória, uma função de entregar preciosidades ao público de uma nova geração. Eu queria saber se vocês acham que é bom para quem assiste, receber um espetáculo que não diz absolutamente nada da nossa realidade. Eu digo, os tempos mudaram, estamos no início do século XXI, com outras questões, outros vislumbramentos...
A nossa montagem não se estaciona no tempo. Esperando Godot possui uma dramaturgia tão rica que é digna de prêmio Nobel e que fortifica e torna visível temas que ainda hoje são muito contemporâneos através de uma metáfora da condição humana. Dizer que a nossa montagem é ultrapassada é negar a vida de hoje da forma como ela se manifesta.
Não entendo porque montar Esperando Godot na íntegra. Com duas horas de duração em torno de uma coisa que todos nós sabemos que não vai levar a lugar algum... Vocês continuam esperando Godot?

terça-feira, 5 de abril de 2011

"eu me desagradei imensamente com o trabalho de vocês"

Seguindo o resgate de alguma produção dramatúrgica feita em ensaio, abaixo disponibilizamos mais material produzido num desses ensaios em que a improvisação é falada, ou seja, onde as atrizes, diretor e assistente ficam sentados e se perguntando, criando respostas, situações, abrindo temas e especulando a dramaturgia de Beckett, a nossa capacidade autoral e, sobretudo, a metalinguagem.

No programa de hoje estamos recebendo o elenco e o diretor do espetáculo Esperando Godot, obra máxima do dramaturgo irlandês Samuel Beckett. E eu não posso esconder por muito tempo porque que eu os convidei para estarem aqui. Veja bem, não é porque o espetáculo não me agradou que eu não vou trazê-los até aqui para conversar, para tentar entender... Eu acho que vocês esperavam ou já sabiam que eu me desagradei imensamente com o trabalho de vocês. Para começar, eu queria que um de vocês desse um rápido entendimento do que é esse espetáculo.
Esse espetáculo apresenta quatro personagens (Pozzo, Lucky, Vladimir e Estragon). Começa com Vladimir e Estragon esperando por Godot. São dois vagabundos, dois mendigos que estão na sarjeta, que são amigos, mas que por vezes se batem, se espancam, mas depois chegam os outros dois personagens, Pozzo e Lucky, um autoritário e o outro submisso. Eles interagem, conversam e acaba assim o primeiro ato e o segundo ato é a mesma coisa.
Bom, eu preciso pontuar que há um esforço em transformar essas quatro atrizes em quatro homens. Como foi isso?
Essa é uma parte do nosso processo que eu sou tremendamente encantada. Houve muita pesquisa sobre o comportamento masculino, são coisas que são próximas, o feminino e o masculino são a essência do nosso mundo. Nós temos caracterizadores extremamente competentes e que nos trazem uma composição que completaram a nossa pesquisa corporal. Os nossos traços femininos são completamente anulados. O nosso maquiador fez uma pesquisa em Bangkok e trouxe um material de lá que é uma massa que preenche algumas partes do nosso rosto e isso é completamente transformador para o espectador. A minha família, por exemplo, quando veio nos parabenizar pelo espetáculo, me confundiu com a outra atriz...
Quando eu digo que eu não gosto do espetáculo o que me parece é que vocês estão em 2010 executando de uma maneira impecável que é de outro tempo. É como se o espetáculo de vocês estivesse preso na década de 50, quando ele apareceu pela primeira vez...
Desculpa, eu queria ressaltar, antes do diretor pegar a palavra, que o seu posicionamento em não gostar do espetáculo reitera uma camada da nossa sociedade que não está apta a receber um espetáculo que é clássico, que é um ícone da história do nosso trabalho. É um espetáculo que resgata o que passou, resgata o que Beckett escreveu, eu sinto muito, mas acho muito deprimente essa sua postura...
Eu realmente não gosto. Tudo bem, é importante falar desse trabalho que já foi feito. Mas eu pergunto: quem vai falar do agora? Qual é o papel do artista se não dialogar com seu tempo? O texto de Beckett que vocês estão louvando foi uma obra escrita no fervor de uma época, eu queria saber, onde está o fervor de vocês? Não é no agora?
A gente tá em busca da ancestralidade de tudo isso. Na verdade, nós nos debruçamos sobre o texto a fim de fazer uma espécie de escavação arqueológica do teatro muito em função de um experimentalismo vazio, barato, superficial, onde tudo pode ser, onde tudo é comunicação... E neste projeto, há uma proposta de retorno...
É, me desculpa, mas isso não faz de vocês um teatro que não seja contemporâneo. Vocês fazem um teatro que é contemporâneo, mas ultrapassado.
Não é ultrapassado. Primeiro: estamos fazendo uma dramaturgia digna de prêmio Nobel. Isso é fundamental. As dramaturgias de hoje são muito chulas. E eu acho que nós temos que resgatar essas potências...
A palavra hoje em dia está sendo desrespeitada...
Todo mundo fala ao mesmo tempo...
Com certeza, como você vai?...
Eu sou o diretor, deixa eu continuar...
Joga fora a palavra...
Por favor, Helena!
Desculpa...
A metáfora dessa obra é extremamente fundamental para os dias de hoje. As pessoas precisam disso porque hoje tudo é artificial. E eu acho que um espetáculo que resgata e ainda faz valer questões de hoje com uma potência, as pessoas precisam conhecê-lo...
Eu compreendo, mas é porque eu não acho que o espetáculo de vocês resgata alguma coisa. É nítido que o trabalho é rico, mas é também nítido como o trabalho de vocês não me diz absolutamente nada, é um trabalho preso numa época que eu não sei qual é, algo que não comunica, que não chega, que não bate...
Não, desculpa. Eu acho que você está completamente presa aos dias de hoje.  Você está presa a essa vivência agora, nesse momento. A gente não pode viver apenas o hoje. Temos que viver o ontem. Passado é memória é vida é história.
O teatro é feito do quê? De um texto dramatúrgico, dos atores que interpretam personagens que foram escritos pelo dramaturgo e de um diretor que orienta na construção da montagem. Então assim, eu não entendo quando você fala que um espetáculo não chega porque tudo o que o teatro é nós estamos oferecendo: texto, ator e diretor. Ele é isso há muito tempo.
Hoje em dia é muito fácil pegar um texto clássico e destruir ele todo.
É muito fácil.
Muito fácil.
Enfim... Eu agradeço que vocês tenham vindo.

\\