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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ensaio #20


Unirio – 21/05/2010 – 11h30 às 15h30.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa e Fabíola.

Conversamos um bastante. A Carollê nos trouxe a sua opinião determinante sobre a peça: trata-se de um espetáculo voltado para um público infanto-juvenil. Público diante o qual a ideia de tentativa parece ser ininterrupta, porque visualizamos nessa fase uma época da vida em que se tenta tudo, onde a tentação está aflorada.

Somente às 13h20 começamos uma raia. 5 comandos, repetição, texto do sexto movimento. dei um tema: tentar preencher o tempo e percebi que este só era preenchido realmente quando acontecia algum jogo, realmente, quando elas se perdiam dentro de um jogo. ou seja, é óbvio que o tempo segue sem preenchimento ou não. mas preencher o tempo quer dizer não percebê-lo, quer dizer tirá-lo do primeiro plano, deixar-se não mais ser oprimido pelo tempo. divertir-se com o seu passar. com o seu envelhecer.

quando elas encontravam um jogo em comum o tempo realmente era preenchido. quando não, via-se apenas a tentativa do preenchimento. (apesar de eu achar que o tempo foi preenchido, não da mesma forma, mas foi)... o 3:1 voltou. percebi nesta raia - uma das mais incríveis - que pela tentativa as atrizes saltavam ao plano simbólico. via tentativa elas viravam poetas e faziam da pedra um acontecimento. uma estrela.

estragon arrota. implodiram as raias sem delas sair. perceber que se uma não está ali, todas as outras se perdem. pelúcia. um gato. pozzo entrando joga a caneta para o ar e só dá a sua fala quando consegue capturar a caneta voadora. pozzo passa o seu texto. vladimir destrói todo o cenário. lucky deveria juntá-lo? vladimir condena pozzo fazendo em lucky tudo aquilo que condenava em pozzo (a violência feita sobre lucky).

pozzo beija lucky.

dei alguns objetivos para cada uma e pedi que começassem a improvisar com eles: FABÍOLA) chamar o máximo de atenção; ADASSA) parecer o menos interpretativa; CAROLLINE) desordenar, provocar o caos sem deixar isso explícito; FLÁVIA) ordem, organização.

lucky entra e didi e gogô o tomam por godot. ele é mais interessante desde o início. é estranho. a corda arrebenta e pozzo fica surpreso. meio que perde o controle da situação. flávia dá o texto fora da área cênica. sentimos a sua voz girando ao redor de um prédio, começando numa porta e saindo em outra. "sr, por que ele não põe a bagagem no chão?". a bagagem era uma cadeira. lucky põe a cadeira no chão e sobe nela. lucky faz o dicotônico do texto de pozzo. lucky representa pozzo.

caroll encontrou um PdS (PRINCÍPIO DE SUBSTITUIÇÃO) para o choro. ao falar que ele (lucky) está chorando, ela põe as mãos na lã vermelha que estava com lucky, estendendo-a pelo corpo de lucky. peças do war. lucky cega pozzo com a bolsa. estragon junta as peças do war colocando-as dentro da toca de natação e sempre se esquece disso, derrubando as peças. a caroll fez isso várias vezes.

transcrição do caderno:
o ensaio de hoje foi excelente para me fazer perceber como o ser humano consegue impor sentido às noções mais absurdas, mais "sem sentido". falamos da guerra, de como é fácil convencer uma multidão sobre lógica qualquer. o movimento de tentativas - principalmente aquelas com objetos - partem de zonas muito obscuras e acabam conquistando sentidos e leituras muito interessante. já disse deleuze, rachar as palavras, rachar as coisas.

Espero que esse espetáculo seja...

uma grande bobajada, mas uma bobajada honesta, sincera, feita com carinho por uma equipe de apaixonados artistas, pessoas lindas afim de construir juntos um espaço de convívio agradável e bem humorado. Pronto. Disse mesmo. É isso que espero.

Desses três últimos ensaios (28, 30 e 31 de maio) o que fica na memória é sempre o lugar gostoso da brincadeira, é quando a gente liga o foda-se e brinca, brinca de representar, brinca simplesmente pra brincar.
Deixamos de fazer sentido para sermos nós mesmas sentido. e como é bom ter esse espaço, torná-lo nosso. Dar asas à imaginação e voar. Quero voar e levar todas elas comigo, embarcar nesse carrosel onde o mundo faz de conta a terra é quase o céu!

coisas que ficaram:
- Lucky dando palestra em cima da mesa
- Ada imitando o discursso de Lucky através de mímicas
- Lucky mudo falando através de sinais
- eu e Carolê nos comunicando com Lucky através de sinais
- porquinho porta-moedas quebrando
- Eu e Carolê surtando entre sentadas e levantadas na cadeira como militares e terminando o surto sem blusa.
- Eu e Carolê no foco de luz entre caretas e grunhidos enquanto Ada e Fabi "narravam" o que estavamos fazendo
- as quatro sentadas de frente para o público lindas e contentes dizendo que esperam por Godot
- choro birrento das quatro pedindo por Godot
- explosão do encadeamento das frases e movimetos

ai que vontade de improvisar podendo explodir a sequência das frases e dos movimentos, acho super rico uma aposta nisso. e vamo pra frente que atrás vem gente!

Blogando

Ensaio de domingo | 30 de maio

- entrar comendo tangerina / com cigarro na boca
- quebrar cofre do porquinho e sofrer MUITO
- Lucky arrancando penas da asa de Estragon
- Palestra do Lucky com Flavinha tentando entender, espalhando folhas; enquanto Carollê se diverte com seu puro entendimento
- Ada correndo com asas pela sala


Ensaio de segunda | 31 de maio

- piti de todas chorando, Pozzo rindo de todas
- assistir a platéia + comentadora
- descobrir juntas o terceiro movimento, entender as palavras (Flavinha junta as quatro)
- entrada na raia juntas na sintonia, busca por sentidos que estão por aí perdidos
- Carollê na catarse da máscara e Flavinha apontando foco de luz pra ela
- Flavinha imitando Ada-Pozzo
- Fabíola se debatendo no chão, chorando/rindo
- Pozzo e Lucky se mostrando gostosonas pra platéia
- Pozzo chora ao ver Didi e Gogô o sacaneando, tirando seus sapatos, implicando


domingo, 30 de maio de 2010

aquilo que faz com que Pozzo fique cego absurdamente

( ou ensaio 30/05)
Na montagem consigo ver duas estruturas. A que abriga a espontaneidade, o acaso, o inesperado e a que impera a própria estrutura beckettiana.
O mote (pra mim) é o entremeio: a possibilidade de sair de uma estrutura bastante definida ( da espacialidade, temporalidade, etc) junto com a necessidade de voltar para esta. Isso faz com que a disposição seja mais concreta e talvez mais complexa, o fato é que temos aquilo que sustenta e aquilo que está suspenso ( duas estruturas com o mesmo peso e com a mesma medida) .
Didi e Gogô estão representando essa peça já faz tempo, estão presos a uma estrutura determinada, sabem tudo de có e salteado enquanto Flávia, Fabíola, Carolê e Adassa estão presas a uma estrutura de boicote. Tanto as atrizes como a encenação boicotam-se, inserindo o desgaste por outra via.

sábado, 29 de maio de 2010

diálogo através da arte.

como se constrói uma peça?

se constrói uma peça?

como uma peça se constrói?

uma peça se constrói?

piscator brincava de anagramas.

brecht de distanciamento.

meyerhold de biomecânica.

e grotowski?

num dia desses eu sonhei que a peça falava comigo em sonho. ela me gritou, eu juro, EU NÃO QUERO SER LIDA DE IMEDIATO. ok, certo, eu compreendo, achei lúdico, aceitei, tá jóia, mas assim, sendo bem sincero, pode mostrar pelo menos a perninha, dar uma luz e apagar, aparecer a margarida e de novo se esconder, pode ser? é que tudo o que eu tinha eu percebi que não serve.

nada serve de pronto quando nos permitimos amar o novo.

ou o horror. ou a sutileza. o sorriso. a estranheza. nada de pré-fabricado dura muito no recreio que é o ensaio.

se beckett se revira em seu túmulo? é o que lhe pergunto. pelo menos ele tem limites.

a gente tá dentro de um vp aberto. buscando um corpo para se chocar e brilhar sentidos.

e olha, eu devo dizer, está sendo bom, está sendo vivo. eu estou acompanhando.

e então? por que sofres?

se eu sofro? por que sofres, tu, alma infeliz?

não.

niilista,

não!

becketiano!

NÃO! BECKETT É PURA ALEGRIA. GENTE, ME AJUDA. QUEM FOI QUE INVENTOU ESSA ANGÚSTIA TODA? ISSO É ROMANCE SOB O NOME TEORIA. PAREM! BECKETT NOS DEU A PROVA MAIOR DO ESTÚPIDO OTIMISMO NOSSO DE CADA DIA. AQUELE QUE NOS FAZ ACORDAR, VER A MERDA QUE É A VIDA EM CERTOS DIAS, E MESMO ASSIM, ARRANJAR UM PRETEXTO QUALQUER PARA SEGUIR.

ISSO É LINDO. ISSO DÁ UMA PUTA COMÉDIA.

DAQUELAS QUE A GENTE CHORA DE TANTO RIR.

que foi?

você está falando com quem?

com você?

comigo?

com você. não estou? estou. com você. não?

não.

sim.

sim.

e então?

que foi?

fala alguma coisa!

fala!

eu disse.

repete!

ah! fala!

eu disse! olhe!

ah?

(escreve a palavra silêncio via gestual dos mudos tipo lucky)

que porra é essa?

eu disse silêncio.

não ouvi.

você acha que tudo o que é dito é para se escutar?

NÃO FODE!

acha que tudo o que é ouvido dá para se dizer?

QUE PAPO É ESSE?

você quem começou.

sim. eu quem comecei.

viu?

o quê?

você não percebe as coisas que está criando.

que coisas?

o redor está cheio delas…

não fale assim dessa maneira tão ingrata.

é verdade! e eu quero que você faça uma retratação!

o quê?

UMA RETRATAÇÃO! MANDE UM E-MAIL PARA TODOS OS ENVOLVIDOS NESTE PROJETO E PEÇA DESCULPAS. DIZENDO QUE SIM, FINALMENTE, A LUZ DA VERDADE O CLAREOU E VOCÊ SE PERCEBEU ERRADO. UM EQUÍVOCO AMBULANTE. QUE GODOT NÃO É PARA O SEU TACO E QUE – SINCERAMENTE – UM ELENCO DE MULHERES, POR FAVOR!!!!!!!!!!!!!!!!!

escroto.

o que foi?

eu paro com essa palhaçada agora, tá ouvindo?!

NÃO PELO AMOR DE DEUS VOCÊ NÃO PODE!!!!!!!!!!!

então por que tá enchendo a porra do saco?!

para te ajudar a se ouvir.

sim, pois não, o que é, como?

para te ajudar a se ouvir a si mesmo.

ah!

ouviste?

sim.

viste?

também.

e então?

eu xingo muito.

é fachada.

é. fachada.

e agora?

e agora o quê?

o que a gente faz?

eu não vou me retratar.

ainda bem.

por quê?

seria preciso morrer. como milhões de outros.

que outros?

digita no google.

o quê?

desesperandogodot.blogspot.com

e daí?

daí verás…

verei o quê?

como o ser humano é capaz de imprimir sentido em toda e qualquer tolice.

ainda há tempo. faça, ao menos, então, a melhor tolice da sua vida.

voltarei em breve. para conversamos de novo. veja se dá próxima vez, tu me serves um café.

você tá louco.

ah, eu não conto! queria ver se fosse com você!

enfim…

voltarei. mesmo.

por favor, mesmo que não seja verdade.

terça-feira, 25 de maio de 2010

ensaio 24/05

Confirmando que cada dia é um dia... o ensaio dessa segunda foi bem difícil pra mim. A escuta entre nós estava prejudicada, talvez porque eu não estava bem. talvez cansaço, talvez o próprio espaço de jogo, talvez o texto... Alguma coisa estava ruidosa, mas não tenho o menor problema com isso até porque sensações como essas já experimentei outras vezes e sei que passa.

Diogo em um dado momento teve a brilhante idéia de colocar expectadores reais para nos assistir, foi até o corredor da UFRJ e laçou três meninos. Coitados....fiquei com pena deles, não entenderam nada, a sensação que tive é que não gostariam de estar ali... e eu adorei a presença deles. O jogo ficou vivo, urgente, precisavamos nos comunicar, precisavamos dizer e nos fazer entender e essa sensação de tentar fazer com que o outro entenda aquilo que não se explica é maravilhosa. Sensação de missão cumprida, de altruísmo, de doação. Talvez a boa loucura só possa existir em atos de generosidade.

Vamos lá

Ensaio de sexta-feira dia 21/05

O ensaio desse dia foi muito instigante pra mim. Acho que Carolê abriu um bom canal quando nos disse que esse espetáculo tem como público alvo (ou talvez como público possível) adolescentes, um espetáculo infanto-juvenil, num primeiro momento me deparei com uma certo preconceito quanto a esse tipo de abordagem, mas logo em seguida percebi que de fato adoraria fazer uma peça para esse público, seria um desafio e ao mesmo tempo um alívio.

Alívio porque cada vez mais entendo que o lugar desse nosso espetáculo é o da diversão, a brincadeira de representar, a ludicidade do jogo, a tosquice no que ela tem de melhor e digo de melhor porque sem julgamentos, sem pudores, sem certo e errado. Atingir um público adolescente e jovem por essa via torna nossa trajetória muito rica.

A escrita de Beckett sendo encendada por quatro mulheres na faixa etária que nos encontramos não poderia ser outra coisa. não adianta, não vamos levar esses espetáculo a sério. E não levar a sério não significa que a dor de existir não estará presente, pelo contrário, a dificuldade, o árido, a estranheza estarão ali, mas sempre acompanhados de bom humor, risos e alegrias. E isso é o que Becktt faz de melhor com seus textos: falar da angustia sem nos deixar angustiados.

Com tudo isso na cabeça fomos para a parte prática. Diogo nos conduziu muito bem para o jogo das raias, com muita sensibilidade pontuava coisas precisas e deixou que persistissemos no jogo por muito tempo. Uma sensação engraçada de criança adulta entre o bobo e o malicioso surgiu em mim durante o exercício e senti a mesma coisa com as outras meninas. Passamos então a nos relacionar por essa via e foi uma das experiências mais encantadoras que tivemos. O que Diogo disse durante o jogo nos levou para esse lugar mas não me recordo exatamente o que foi por ele pedido. Gostaria de me lembrar....

Depois das raias veio a improvisação, haviam muitos dispositivos espalhados em cima da mesa e o meu canal criança estava tão aberto que fui logo esparrramando tudo no chão, abrindo caixas e profanando objetos. Não sabia o que fazia mas estava fazendo. Explorei espaços, portas, saídas e chegadas. Adassa brincou com o gato de pelúcia transformando-o em Pozzo. Fabíola em cima da cadeira tentava se fazer presente, tentava existir com uma folha de papel completamente tomada pela palavra Quáquá, Carolê de botas e joelheiras buscava o jogo com delicadeza e cuidado.

Um dia muito revelador pra mim.

ensaio.24.maio

No nosso momento café pós-ensaio, Flavinha disse que talvez estivesse se sentindo um pouco indisposta - não foi essa a palavra - como um cansaço talvez, agora não me lembro exatamente o termo que ela usou. Mas foi assim que eu estava me sentindo no ensaio anterior, na Unirio. Um pouco escassa de idéias, meio árida, meio gasta.

Aí eu disse que no que Diogo estimulava a gente no jogo com algumas indicações sérias e importantes, no sentido de não falsear, não fornecer formatos externos e sim sermos objetivas e concretas ao escolher algo como tentativa, eu achei aquilo muito difícil, eu realmente estava tentando e não estava na verdade. Por quê eu não deixei essa sensação de dificuldade aparecer? Vou ptentar mais.

Queria tanto que a nossa peça fosse bonita. Que nós quatro em cena nos apresentássemos boas atrizes, fazendo lindamente o nosso trabalho. Mas acho que o nosso pior nos estimula mais e nos dá mais material da essência de nós mesmas.

O que mais fazemos nos nossos ensaios é repetir e persistir sobre uma cena entre uma, duas, três folhas. Então, agora, penso: acho que eu queria experimentar uma peça de três páginas em uma hora. Que a gente se debatesse ali, depois de muito treinamento, mas que usássemos todas as nossas energias na busca de diferentes entradas para aquele pequeno texto. Acho que seria bem rico.

Espaço Vazio

Sala Vianinha

E prenhe de acontecimentos.

Ensaio #19

Unirio – 19/05/2010 – 13h às 17h.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa, Fabíola e Leonardo Samarino.

Lucky voltou. Para comemorar, persistimos neste ensaio por sobre o mesmo movimento que o anterior: o sexto. De imediato, partimos da construção dos encadeamentos narrativos que compõem a dramaturgia. Pedi que as atrizes fizessem quatro fotos com intuito de visualizarmos certa progressão narrativa dos acontecimentos. E para cada uma das quatro fotos, uma delas deu um título:

um
VLADIMIR E ESTRAGON TENTAM PREENCHER O TEMPO E POZZO SE APRESENTA, disse Fabíola;

dois
VLADIMIR E ESTRAGON CONHECEM LUCKY, disse Adassa;

três
VLADIMIR SURTA E LUCKY BATE EM ESTRAGON, disse Flávia;

quatro
ESTRAGON GOSTA DA REPRESENTAÇÃO DE POZZO E PROPÕE UMA NOVA BRINCADEIRA, disse Caroll.

Partimos dessas imagens para não nos perdermos na improvisação. A princípio, porque depois fica inevitável e se perder torna-se necessário. De tudo o que foi feito, pontuo algumas coisas que saltaram:

. o pozzo de ada é carinhoso e amável com lucky;
. volto a pensar nos dois como uma dupla de intérpretes;
. a catatonia de lucky às vezes anula a presença da fabíola – isso serve e não serve;
. pozzo me parece não ver o público, tamanho o entretenimento que encontra consigo mesmo;
. tiram fotos (asseguram o encontro, sendo a fotografia um estatuto de presença);
. didi e gogô querem entreter a dupla de desconhecidos, tentam de tudo, querem soar interessantes;
. lucky começa a chamar mais atenção para didi e gogô do que pozzo – isso é sério!;
. lucky permanece estático numa posição de ataque, na qual pozzo entra e finge ter sido agredido.

Num dado momento, foi permitido apenas ao personagem Lucky falar alguma coisa. O que surgiu:

. ada ao guiar lucky pela corda amarrada ao pescoço acaba sendo puxada e comandada pelo movimento de fabíola;
. dá muita merda quando a fala entra na proporção 3:1, ou seja, apenas uma fala e as outras três são obrigadas apenas a ouvirem.

Em seguida, investimos num trabalho de leitura seguido de improvisação imediata do movimento lido. Durante a leitura do sexto movimento, a Flávia retomou o uso do jogo dicotônico, fazendo todo o gestual de uma fala de Estragon que outra atriz falava (“Bagagem! Por quê? Nunca! No chão!”). Encontram alguns interlocutores para o tal “porco” das falas de Pozzo (que é Lucky): neste dia, Flávia levou um dispositivo para o ensaio que era justamente um porquinho-cofre.

Ao término do ensaio, fizemos um trabalho especificamente de mesa. Isso me fez pensar em como é possível ter uma cena do espetáculo que parta da leitura daquela mesma cena que será, em seguida, encenada. Comecei a pensar em anagramar os movimentos. A leitura foi frenética em muitos momentos.

ensaio de mesa

Ensaio #18

Sala Vianinha – 17/05/2010 – 13h às 16h30.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa, Lívia Flores e Gabriela Lírio.

Lucky não esteve presente. A Fabíola não conseguiu chegar de viagem há tempo de ir ao ensaio. Que falta que ela fez. Sensação de um órgão que quando fala compromete todo o organismo. Mas lutamos mesmo assim. Nosso trabalho foi uma primeira chegada no sexto movimento, aquele no qual Vladimir e Estragon são surpreendidos pela chegada de Pozzo e Lucky. Num ensaio anterior, decidimos que nestes dois movimentos com Pozzo e Lucky (o sexto e o sétimo) seguiríamos com personagens distribuídos. Assim, Flávia e Caroll como Vladimir e Estragon, Ada e Fabíola como Pozzo e Lucky. Uma outra forma de abordar o original.

Passamos uma primeira parte do ensaio a partir de aproximações e afastamentos entre os corpos. Treinamentos Viewpoints a partir de raias com comandos movidos por estados específicos. Estados que pudessem nos dar um esboço daqueles personagens. Depois de uma hora experimentando algum corpo possível para cada personagem, certa corporeidade, começamos a improvisar. Muitas coisas boas surgiram, listo a seguir não somente elas:

. as garrafas plásticas de água sendo usadas como pênis;
. mijam a água e nadam sobre ela;
. pozzo fala no microfone à lucky;
. falam de lucky (strike), o cigarro;
. flávia com descontroles (implora para fazer pozzo e lucky, grita pedindo para fazer a árvore);
. o texto sendo todo dado a partir de um longo alongamento;
. ada entra arrastando uma cadeira (é lucky, via PdS);
. o pozzo de ada confere o tempo inteiro se sua representação está funcionando bem;
. didi e gogô se alegram com a chegada dos desconhecidos;
. em muitos momentos as atrizes tentavam resolver a cena via mimica;
. lucky vira um mero palanque para o ego de pozzo – ele é escadinha;
. o gogô de caroll arrota;
. a caroll sempre apanha do pozzo e parece não conseguir desenhar que foi agredida (é ruim e engraçado);
. estranhamento de didi e gogô em relação à interpretação excessiva de pozzo (que acha sempre um pretexto para fazer teatro);
. ada me evoca a possibilidade de ver pozzo e lucky como uma nova dupla de atores, de comediantes;

Ao término do ensaio, conversando com a professora orientadora Gabriela Lírio, ela sugeriu que eu pensasse em relação à minha presença em cena. Meu deus. Não consegui parar de pensar nisso. Existe alguma coisa nesta possibilidade – que eu não sei ainda o que é – mas que me parece extremamente interessante. A professora orientadora Lívia Flores também passou pelo ensaio.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O que ficou...

Antes de falar do ensaio de hoje vou dizer o que pra mim ficou do ensaio de sexta.

O incrivel VP que rolou entre as atrizes, uma presenca muito forte, uma troca e um jogo muito interessante aconteceu. As atrizes e as personagens estavam la, todas se relacionando! Cada uma tocando e sendo tocada, oito pecas de uma so engrenagem!

Quanto ao ensaio de hoje.
Foi nos pedido que fizessemos quatro vezes o segundo movimento, que ficasse muito claro na primeira vez e que cada vez que o movimento se repetisse essa clareza iria se perdendo ate o completo caos.
Acho que ja apresentamos esse caos antes de uma forma muito melhor, a desordem quando passa a ser ordenada torna-se mais complexa do que a propria ordem. Uma angustia se fez presente, e eu a desperdicei!!!! Da proxima vez vou tentar usa-la a meu favor.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

ESPERANDO GODOT – parceria entre Direção Teatral e EBA (Escola de Belas Artes) da UFRJ

Caros professores,

Achei prudente mandar este e-mail com intuito de deixar registrado o meu ponto de vista acerca da minha situação em relação à parceria com a EBA nesta montagem de Direção VI que estou dirigindo.

Em dezembro do ano passado, a professora Carmem Gadelha encaminhou aos alunos interessados em montar Direção VI em 2010 as chamadas “Regras do Jogo”. Neste mesmo mês, após ter cumprido a disciplina Direção V, comecei a estruturar o meu próximo projeto preocupando-me em seguir exatamente o que havia sido estipulado como regra, ainda que algumas regras não tenham me parecido claras o suficiente.

Numa reunião que os alunos solicitaram uma semana antes da entrega dos projetos, já no final da primeira quinzena de fevereiro, manifestei as minhas questões em relação às regras que estavam confusas para mim. Cabe dizer neste e-mail apenas a principal: a de que não havia nenhuma obrigação explícita em relação à parceria com alunos da EBA. Lembro-me que ao término da reunião, conversando com a professora Carmem e argumentando que já estava em processo com um cenógrafo e uma figurinista que não eram alunos da UFRJ, ela me sugeriu que ao menos eu buscasse na EBA alunos que pudessem entrar na equipe como assistentes. Apesar de ter sido uma conversa informal, lembro-me de sua sugestão por assistentes, porque foi quando atentei para o fato de que se trabalhasse com assistentes da EBA agora, no ano seguinte (2011) quando viesse a me formar, eles poderiam assumir o cenário e o figurino de meu PET.

Foi apenas em 12 de abril que aconteceu a primeira reunião entre alunos-diretores e possíveis alunos interessados da EBA. Nesta reunião, o professor Marcellus, como Coordenador da Mostra, ao ouvir o mesmo relato que escrevi acima, me informou justamente o contrário. Segundo ele a professora Carmem havia dito naquela reunião de fevereiro que eu poderia ter pessoas de fora assinando o cenário e o figurino desde que estes fossem assistentes dos alunos da EBA. Sem dúvida alguma fiquei extremamente surpreso, visto que eu sabia que isso não havia sido dito e, sobretudo, porque se algo tivesse sido alterado, não me parecia justo ter sido informado no meio de abril, já que eu mesmo havia apontado a questão em fevereiro. Tentei argumentar que o problema tinha origem em regras mal definidas e foi então que o professor Marcellus solicitou que eu me desapegasse das regras. E assim, mais uma vez perdendo o ensaio, estive presente na reunião seguinte, na EBA, para tentar resolver a questão.

No dia 19 de abril, na EBA, o professor Samuel Abrantes esclareceu que muitos daqueles alunos haviam ingressado recentemente na Universidade e que poderiam estar em montagens como assistentes. Lembro-me que ao apresentar meu projeto na frente de todos, tive o cuidado de informar que já havia tanto um cenógrafo como uma figurinista trabalhando na minha montagem e que o meu interesse, se possível, seria agregar à equipe novos alunos que desde já pudessem criar um diálogo comigo e, a partir disso, vir a compor a equipe da minha formatura. E então, ao término da reunião, dois alunos de cenografia (uma do 4º período e um do 6º) e uma aluna de indumentária (do 1º período) entraram para a equipe e isto foi deixado claro ao professor Marcellus. Nas semanas seguintes, fechei com os professores Samuel Abrantes e Ronald Teixeira as respectivas orientações de indumentária e cenografia, deixando ambos cientes da minha “questão”.

E agora, a minha situação é a seguinte: não há problema algum entre aqueles envolvidos em minha equipe, o nosso trabalho está acontecendo faz meses. Os alunos da EBA são assistentes e a relação destes com os que “vieram de fora” é aquela que eu como diretor prezo e exijo que exista em todo e qualquer trabalho meu: somos todos seres pensantes e com autonomia para questionar e propor, modificar e sugerir.

Portanto, essa minha fala serve para sinalizar dois pontos que - estes sim - me parecem questões extremamente sérias. 1º) Parece-me extremamente ofensivo e equivocado ver que, dentro da UFRJ, esteja se querendo ensinar que a função de assistente tenha se tornado algo empobrecedor. Não posso acreditar nisso por tudo o que já vivi e continuo vivendo dentro deste curso e fora dele. 2º) Compreendo a necessidade de escuta e “jogo-de-cintura” por parte dos alunos-diretores, mas, certas questões não serão resolvidas de imediato. E certas mudanças abruptas, num processo criacional, podem ser extremamente prejudiciais. É preciso estabelecer com clareza as tais “Regras do Jogo” e amadurecer, em virtude deste agora, as Mostras posteriores.

No domingo, ao conversar com o professor Marcellus via telefone, o que ele argumentou para me convencer de que a minha ficha técnica estava errada era o fato de a EBA ter que estar em primeiro plano. O que significa isso? Que a nossa relação com a EBA então será maravilhosa só porque os alunos de lá não se submetem à função de assistentes de pessoas “de fora”? Perdoem-me, isso é fácil demais. Tira de nós a responsabilidade de ter que efetivamente empreender mudanças. Eu estou, neste momento, começando a construir alguma relação possível com a EBA. Estou trabalhando com alunos de lá, cursando disciplinas com professores de lá e me planejando para cursar disciplinas na EBA no próximo período. Estas sim são medidas que constroem alguma coisa de fato. Mas não me peçam para assinar embaixo de uma relação que, por não conseguirmos concretizar de fato, precisa ser falseada num programa de Mostra.

Estou, sem dúvida alguma, extremamente chateado. E me chateia ainda mais ser motivo de dor de cabeça num momento como este, onde todos estão extremamente atarefados. Já faz mais de uma hora - mesmo - que estou na frente do computador escrevendo este e-mail quando deveria estar cuidando do meu ensaio de amanhã e da reunião posterior que terei com os cenógrafos e figurinistas. Intuo que a minha ficha técnica no programa da Mostra virá com um erro assumido e intencionado. É uma pena, já que eu comecei a esboçar o meu projeto a partir do que vocês exigiram de mim e agora tenho que responder por ter sido correto em relação ao que me foi pedido.

Sinceramente,

Diogo Liberano

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ensaio 17/05

tirando a falta absurda e surpreendente da Fabíola..o que ficou do ensaio do sexto movimento:

1- idéia para o figurino: peças de roupas masculinas que fossem números muito maiores ou menores que o manequim das atrizes, roupas largas demais ou pequenas demais reafirmando ou confirmando a impossibilidade da chegada dessa encenação. As roupas desencaixadas estariam de acordo com os personagens de Esperando Godot que são o inverso dessas atrizes.

2- proposta de objeto: cigarro Lucky Strike e livros da peça "Esperando Godot". idéia que todos os dispositivos estivessem à mostra como se tudo tivesse partido dali de dentro, o nome do personagem Lucky e o nome do cigarro Lucky....encontrar mais coicidências assim

3- idéia de Diogo em cena como diretor

4- flá e Carolê insinuando pênis com garrafas de água e xixi saindo das garrafas

5- Ada chorando.

6- idéia de brincar de representar, voltar a ser criança brincando de caracterização (meta). pensar em quando a brincadeira fica séria e que talvez esse momento do sério seja o momento mais teatro.

A memória é uma ilha de edição ou um plano sequência com dois mil atores?


O Senhor albert foi o teatro. aquele prédio glaucio gil em obras
view points de espaço- arquitetura.
fingir que está dormindo-
ponto de vista da brincadeira.
tirando meleca do nariz-
duração (esgarçamento do tempo).
quebrando o galho não rola-
repetição.
sem quebrar rola-
forma.
... não de se enforcar, quando não há o enforcamento da atriz o galho não quebra e ela acha a cenoura.
invasiva, cooperativa, defensiva, viva...
-eu não quero mais respirar.
jogar em dupla, em trio, em trio e em dupla, em quarteto...
fabíola tendo que rir sem parar.

putz porque eu me isolo?
ah, já sei.
a criança da Carollê lê gibi.
sozinha e com o trio.
esparadrapo tem cheiro de hospital.
ué, mas os legumes estavam doente gente, tinha que fazer os curativos.
cheiro do pepino
e necessidade de expressão.

nas falas existe uma diferença entre utilizar a substituição concreta,explicativa (substituição de X por Y sendo utilizada a palavra X), e a fala de explosão abstrata que comunica o indizível (o que não pode ser dito ou o que precisa ser velado embora expressado).

gritar é fácil
gritar é fácil?
- vocês dominam o jogo.
-eu quero que vocês se apropriem deste jogo gente.
funk.
corda.
é bom quando riem de nós.
cuidar das outras atrizes em momentos críticos ou não.
seu e meu
nosso.
partituras corporais-
esboçando a corporeidade.

diogo se impressiona
flavia e adassa conflituam (ou seriam as apropriações?)
adassa chora
-pozzo é o melhor personagem... se ele fosse meu...pô.

bola de basquete sim.
fala alto
fala baixo.
fala com vladimir e fala com estragon.
joelheiras.uso joelheiras
para rezar, pra arrastar o corpo no chão, esconder o corpo dos olhos de todos.
Flavia é Frida .
Calo.

falar no celular.
alguém de fora nos monitora.
o público?
calo.
escuto.
escuto.
escuto muito.
vontade de usar um tapaolho.

o olhar do caolho me interessa.
cega.
brincar de cabra cega.

as três montaram a personagem menino.
Me montaram.
teatral.

- as vezes a gente se pega falando a verdade,ou melhor, falando algo de verdade. como agora, sabe. teatro = tentativa. meta = desistência. desistência?
Desistência do teatro tentativa.
a new place.

esparadrapo na mão.
esparadrapo na boca.
garrafa é pênis,
e máquina fotográfica também é.
cadeira é
godot!
godoooooo...

e aquilo tudo mais que vocês já sabem.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O ensaio de hoje, segunda 17 de maio

O que ficou, pra mim,

. Lucky era pesado, um troço, uma "bagagem" que fazia o Pozzo de escravo;
. Lucky era palco;
. Xixi que saía da garrafa;
. Choro pro diretor, sacode o texto, joga no chão;
. Flavinha mandando parar de falar, dizendo pra nós que aquilo estava vazio;
. Lucky que é igual ao Pozzo, que reitera o que ele diz, que sacaneia Vladimir (na hora, Carollê);
. Os cortes maravilhosos do texto;


(ensaio sem Fabíola! =/)

Ensaio #17

Teatro Gláucio Gill – 14/05/2010 – 11h30 às 15h.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa, Fabíola e Rafael Medeiros.

O objetivo do ensaio era tentar fechar uma cena a partir do Quinto Movimento. As atrizes deveriam ter decorado o tal com os devidos cortes. O nosso processo está exigindo que elas decorem todas as falas, para poderem jogar com aquilo que a cena possa requisitar. Enfim… Ao término do ensaio havíamos produzido mais coisas para o já estuprado Quinto Movimento e eu percebi que eu ainda vou demorar alguns vários encontros até poder fechar alguma cena. Isso se traduz para mim a partir da percepção de como é necessário gastar o material para ver o que fica. Será preciso testar todas os movimentos, testar as idéias, improvisar – isso que estamos fazendo – mas que depois de um longo tempo em experimentação nos dará a possibilidade de escolher e dizer isto será cena, isto não. Nunca trabalhei assim, é novo, me assusta, mas é o que é. Não conseguirei fechar a peça antes de tê-la completamente aberta. E ainda estamos no meio do caminho. Por isso, gerar angústia e a postar aqui no blog. Vamos juntando as situações, as imagens, as tentativas. Vamos colocar tudo aqui e depois… Bom, sobre o depois depois a gente fala…

acho que a peça vai ser uma cena só

Quando era 14h46 eu escrevi no caderno “a peça vai ser uma cena só”. Não quero falar sobre isso. Mas fica aqui a dica.

Para não dizer que não houve tentativa minha, eu apostei em dar direcionamentos mais precisos. Em buscar funções nas quais as atrizes pudessem se gastar até cansar. A coisa da embriaguez pela repetição se confirma. O Rafael ao ver isso falou dos viewpoints, falou do minimalismo. A persistência numa única coisa, numa única proposta. Seguir tentando. Eu, de certa forma, fui firmando coisas e via repetição as atrizes iam alargando a mesma coisa. Exemplo: a Fabíola, no primeiro ensaio em que tocamos no quinto movimento, trouxe uma risada forçada, que era originada pela constatação de estar esperando Godot e achar isso absurdo. Neste ensaio, pedi que ela buscasse a progressão da risada, depois que não nos deixasse perceber que está rindo, enfim, variações sobre uma mesma situação. Esgarçamento. Isso é muito perverso.

A foto acima foi resposta das meninas à minha fala. “A peça vai ser uma cena só”. Tem um quê de ótimo, um quê de não acredito, um quê de pelo amor de deus e um quê de surpresa forçada. Ai… Que difícil definir o que nos extravaza… Seguir indo.

domingo, 16 de maio de 2010

Ensaio #16

Teatro Gláucio Gill – 12/05/2010 – 13h às 17h.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa e Fabíola.

Passei a elas os cortes que fiz no Quinto Movimento. Lemos o Oitavo Movimento. Depois ficamos um tempo a partir dos Viewpoints. Cada uma trabalhou um viewpoint que havia escolhido. Pedi que escolhessem aquele que tivessem maior dificuldade em trabalhar com. Não perguntei ao término o que tinham escolhido, mas intuo que tenham sido TOPOGRAFIA, DURAÇÃO, GESTO e FORMA. 3:1. Três viewpoints de espaço e um de tempo. às 14h15 a improvisação começou. Mote: Oitavo Movimento, aquele no qual o Menino surge trazendo a notícia que Godot virá apenas no dia seguinte.

15h40 o ensaio foi encerrado e fomos tomar um café do lado de fora do teatro. Algo não estava bom. Elas estavam se sentindo impossibilitadas, enfim… Conversamos. Fabíola disse que se sentia vazia de propostas, Flávia achava que precisava se conectar mais. Eu fiz algumas colocações para elas que ainda fazem sentido. Voltei ao texto da Anne e as perguntei como poderiam expressar esse vazio sem que tivessem que se esvaziar. Como expressar aquela angústia ali sem que precisassem estar angustiadas?

É tão estranho porque o material produzido não condizia com todo o desespero que elas me trouxeram ao término do ensaio. Deixarei aqui algumas anotações interessantes sobre o OITAVO MOVIMENTO:

  • “Pena que não temos um pedaço de corda” diz uma atriz e a outra joga uma corda aos pés dela;
  • A força da entrada de uma delas em cena, atuando o menino;
  • Caroll amarra-se à Fabíola ao dizer que acha que deveriam se separar;
  • Flávia vai para a coxia e dá a primeira fala do Menino (“Sr. Albert…”), quando entra, tem em mãos a menor matriuska, como se fosse o menino um bonequinho apenas e não ela;
  • Ada dá uma reação exagerada para uma fala simples, como “Ah! Então você tem irmão?”;
  • A criança da Caroll lê gibis;
  • Flávia sugere uma criança estilo mensageiro das tragédias. Entra com força e dá o texto de forma grave, estanque;
  • Caroll e Flávia fazem os dois meninos chegando a cavalo;
  • Ada faz uma leitura toda representacional de Vladimir, o Estragon de Fabíola olha desconfiado;
  • O menino de Flávia é boicotado. Chega chamando “Sr. Albert…” e nenhuma outra atriz responde. Caroll e Fabíola dormem feito duas vagabundas sob o algodão cru enquanto Ada tem na boca um pedaço de esparadrapo e óculos escuros nos olhos. Flávia percorre todos os espaço do teatro e não consegue sair da fala “Sr. Albert…”, talvez porque todos saibamos o que virá em seguida. Boicote ao menino.

caroll flávia ada e fabíola

Ensaio #15

Teatro Gláucio Gill – 10/05/2010 – 13h às 17h.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa e Fabíola.

caradafabla 

Ensaio no qual descobrimos que a EMBRIAGUEZ (Nietzsche) deste GODOT mora na REPETIÇÃO. Percebo agora que não consegui anotar nada durante todo o ensaio, exceto isso “A embriaguez de Godot é a repetição”. Bom. Além disso, há o pior de cada uma:

CAROLLINE – tentar ser o foco
ADASSA – tentar ser boa
FABÍOLA – tentar ser insignificante
FLÁVIA – tentar ser caos

Bom, de onde surgiu tudo isso? O propósito do ensaio era o de tentar dar um primeiro fechamento de tudo o que havíamos experimentado no ensaio anterior do Quinto Movimento. Eu, como diretor, deveria levar uma proposta de cena a partir de tudo o que elas haviam produzido anteriormente. Não consegui. Não porque não quis ou porque não soube. Foi pior. Passei vários dias depois do 14º ensaio – o primeiro no qual elas produziram material para o Quinto Movimento – pensando sobre o que havia sido feito. Havia tanta coisa boa e interessante. As próprias atrizes listaram aqui no blog uma série de coisas que para elas “ficaram”, no sentido de terem sido coisas especiais. Acontecimentos que poderíamos retomar a fim de termos uma cena final do movimento.

Mas a tal crise. Qual foi? Bom, eu não aceitei facilmente que a cena deveria ser uma costura de tudo o que havia sido feito de bom. Eu fiquei uns dias pensando que talvez a cena deveria ser a costura do que havia sido feito de pior. Para a minha surpresa, ao comunicar isso às atrizes, a Caroll manifestou que também pensou nisso, ou seja, eu não me senti tão autoritário e esquisito. Enfim, cada uma elegeu aquilo que havia sido o pior, na sua opinião individual. O que fizemos então foi voltar aos trabalhos de improvisação do Quinto Movimento porém trabalhando a partir do pior. Que surpresa. Revelação. O material produzido conseguiu ser mais incrível que o anterior. Havia algo que não sei explicar. Talvez uma exposição maior, um risco explícito. Ao mesmo tempo, não permiti que usassem muitos objetos. Aqueles com os quais elas haviam criado tudo sequer voltaram. Havia uma essencialidade e uma concentração do desespero nelas mesmas.

O que fizemos também foi construir duas fotos. Duas estátuas. A primeira, das quatro atrizes em relação às cadeiras e à mesa. Uma partida. A segunda. A mesma lógica, porém da chegada. As improvisações começavam na primeira estátua e terminavam na última. E voltavam à primeira e assim…

Para o ensaio seguinte, de quarta, planejamos começar a trabalhar o Oitavo Movimento. E no ensaio de sexta, eu teria que levantar uma cena do Quinto Movimento. Que já acrescento: não consegui levantar.

Pesquisando....

A amiga e querida Brunella Provvidente assumiu os figurinos de ESPERANDO GODOT. Tivemos um primeiro encontro, apenas eu e ela, neste sábado. Tentei em linhas – não tão rápidas – revelar o processo e os caminhos nos quais e pelos quais nos perdemos e/ou estamos indo nos perder. Nossa. Não sei conjugar tantos tempos verbais. Portanto, presente. Falo de que se trata de quatro atrizes numa sala de ensaio. Revelo a minha implicância com uma primeira abordagem metalinguística do assunto, eu costumo dizer, ver uma atriz mexendo no refletor não quer dizer metalinguagem. A Brunella diz que sim. Ela está certa. Mas eu quero um pouco mais adiante. Pensar em mais camadas. Em deixar sugerido que ali haveria um gesto que não veio, mas que por não vir já sinaliza a sua presença. Estamos falando do comum, do gesto inconsciente, daquele movimento que todos sabem que vamos fazer. Mas vamos? Acho que não. Acho que em muitos momentos o que pode haver é apenas a sugestão que não se concretiza. Há caminhos outros, vários outros.

Então falamos dos vagabundos. Dessa leitura de Vladimir e Estragon onde os dois são vagabundos, quase mendigos. Dos figurinos acabados, rasgados, mas tudo fingindo ser rasgado e acabado e sujo e enfim… ARTIFÍCIO. Isso me cansa também. Onde está o ser vagabundo? Na vestimenta ou no interior? É um espírito vagabundo ou uma roupa, uma caracterização? Enfim, eu fico pensando que temos a chance de inverter o olhar, de relativizar certezas – sim, por isso o uso dos VIEWPOINTS – para vermos por outros ângulos que certas verdades são apenas mais verdades no imenso rol de verdades possíveis. Essência. O que está dentro? O que esses caras trazem dentro que esta roupa do exterior é (in)capaz de conter? Eu queria ver o vazamento. Eu queria ver algo escorrendo. Eu queria ver o que não está ali, a princípio, mas que vai brotando. A maquiagem que se vai, se vai se desprendendo, se formando no próprio rosto feito corredeira enegrecida, máscara impossível de durar ante o ato físico pelo qual as atrizes tentam ler o mundo (que seja o da cena).

imagina, as quatro ali completamente montadas à espera de GODOT?

Sobretudo, as propostas de INDUMENTÁRIA, de CENOGRAFIA, de ILUMINAÇÃO, elas possuem qual função dentro desse espetáculo? O que elas estão querendo trazer? Que questão querem colocar? Que não-questão querem ser? É preciso um encontro entre tais dispositivos cênicos através do qual conseguiremos – depois de alguns testes – dizer: cada dispositivo serve nesse sentido para fazer GODOT aparecer. Ou. Cada dispositivo dificulta desta forma o encontro com GODOT. Porque encontrar GODOT talvez não seja a melhor saída.

Na última quarta-feira (12/05), depois do ensaio, tive um encontro delicioso com todos os queridos da CENOGRAFIA. O Rafael Medeiros assinando o cenário e, além dele, a Clarissa Campello e o Flávio Bassan, como assistentes de cenografia. Foi um excelente encontro. Trocamos já várias possibilidades. Entreguei a eles as plantas baixas que as atrizes haviam desenhado num determinado ensaio. Levei-os para conhecer a Sala Vianinha, para dar uma sentida no espaço. Falamos sobre a possibilidade de o cenário boicotar as meninas o tempo inteiro. E percebemos ser esta uma primeiro possibilidade. Ainda é preciso investigar muito.

Portanto, aqui resta a pergunta para cada equipe:

O QUE A SUA PROPOSTA DE CENÁRIO/FIGURINO PROVOCA NESTA TENTATIVA DE ENCONTRO COM ESPERANDO GODOT? Bom, se as quatro atrizes estão tentando encontrar GODOT (e aqui, neste caso, GODOT é unicamente a encenação que estamos construindo), de que forma o trabalho cenográfico e de indumentária intervém nesse caminho? Com quais qualidades, provocações, em que intensidade? Objetivando o quê? Buscando algo mais? Humm… É preciso ralar.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

do último ensaio

o que ficou...
pensamentos à cerca da síntese de palavras em Beckett. Como é bom poder dizer apenas o necessário.
Nossa fala cotidiana é tão prolixa, excessiva, isso me incomoda tanto e tantas vezes que ao me debruçar sobre a obra "Esperando Godot" me sinto aliviada pela forma simples e direta com que as personagens dizem

o que não consigo esquecer...
Fabíola brincando com os personagens de Beckett como se estes fossem bonequinhos manipuláveis. Por coisas assim que penso tudo isso valer a pena por mais absurdo que isso possa parecer. acho genial.
Outra coisa que não consigo esquecer é a cadeira se transformando em cavalo na chegada do menino, Carolê além de ter essa idéia fazia a sonoplastia da chegada do cavalo dizendo a incrível palavra: pocotó.
outra coisa: Senhor Albert? Senhor Albert? Senhor Albert? Senhor Albert? Senhor Albert? Senhor Albert?
outra coisa: Adassa com esparadrapo na boca.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Pedra Mole Água Dura

A releitura do Mito de Sísifo agora me entregou uma coisa, que relaciono ao ensaio passado. Algo que dizia mais ou menos que a virtude de Sísifo se encontrava na lacuna de tempo em que ele descia retornando à planície para novamente subir sua rocha ao cimo da montanha. Era ali que ele vencia os deuses e o seu destino.

É aqui que precisamos vencer e boicotar a nossa cena. Mas o segredo é agraciá-la com o esgotamento que ela nos impõe, ficando nós ali, mostrando que somos capazes até o próprio jogo não aguentar mais? Ou recusá-la, contradizendo-a, determinando idéias contrárias e remando com a nossa força contra o que nos é destinado? Ou os dois? Não sei.

Mas esse movimento de descer o morro em estado pensante, em situação de tentativa, de comunicação, de troca, e de fomentação de estragégias entre nós quatro é fundamental. O que fizemos - sem condenamento ao que foi, pois foi lindo, dolorido e necessário - no ensaio passado foi descer o morro certas de que subiríamos novamente, exaustivamente, repetidamente, como algo vazio do novo (afê maria Diogo, por que diabos fui comentar que só de pensar que ficaríamos horas ali entregues à tentativa incerta seria mais um martírio? Não foi isso que quis dizer...).

Pelo menos assim foi o que senti. E realmente desisti várias e várias vezes. Não tentei com força - somente alguns poucos espasmos de... "lucidez" (?). Estava entregue, estava morta, dormi em cena. Calei a boca, fechei os olhos, não escutei o menino me gritar. Só estive.

Acho que podemos tentar descer o morro invadindo e esgarçando mais os nossos limites. Uma ancorando a outra. Enquanto uma empurra, outra faz uma alavanca, outra tenta formular um caminho a frente, e a quarta grita anunciando a nova chegada.

Um pouco de teoria

A teoria gestaltica e conhecida como psicologia da forma. Nao se tem conhecimento do TODO atraves das partes e sim das partes atraves do todo. Os conjuntos possuem leis proprias e estas regem seus elementos, e nao o contrario, e que atraves da percepcao da totalidade e que o cerebro pode de fato perceber, decodificar e assimilar uma imagem ou conceito.

O TODO E MAIS QUE A SOMA DE SUAS PARTES



As leis da Gestalt sao conclusoes sobre o comportamento natural do cerebro quando age no processo de percepcao.
DIFERENCA ENTRE VER E PERCEBER. Por exemplo o deficiente visual nao ve, mas percebe.
Para entender a lei da Gestalt e preciso ver e perceber. A percepcao acontece atraves da decomposicao e imediata recomposicao.

Figura fundo, do todo uma parte imerge e vira figura.




O QUE VOCE VE??? PERCEBE QUE A CAVEIRA NAO EXISTE???

GESTALT

Hoje

Hoje o vazio se fez presente, muitas tentativas frustradas, ele insistia em nao se preencher. Que dificil!!!
Permanecer no texto e nao se permitir, pelo menos por hoje, fugir ou fazer uso do "facil". Acho que nos perdemos um pouco, nos perdemos mas tentamos nos encontrar a cada repeticao, so que nao e simples, o jogo era novo, nos pegou. O vazio incomodou e pronto estava la, a angustia! Ele foi neste ensaio o "maior", maior que as atrizes, maior ainda que o texto, era um novo elemento que estava ali, e por isso nao podiamos ignora-lo, sem duvida, hoje este "estranho" nos venceu, . Mas resta ainda uma enorme vontade de persistir, mesmo que exaustas...

- Sr. Albert
- Matriushka
- Duas faces de um mesmo menino

pesquisa cenográfica

algumas imagens que o rafael me enviou:

5 Elca_Cervin_2 Elca_Logo_2 Elca_Team_2 2 3 4

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O novo de hoje, quarta 12 de maio

Bem, isso na verdade foi um lugar desconhecido. Foi um encontro com um novo ainda não experimentado e, por isso, cru, nu, algo que não se pôde medir nem controlar nem abdicar. Um confinamento real, um confronto real com a existência de nós quatro juntas ali, largadas, sem amparo, sem proteção, sem certezas. Não havia saída, só havia a luta por estar ali. Nem por conseguir vencer algo - até porque isso nós não conseguimos, efetivamente - mas, somente por termos estado ali vivas e presentes diante do bicho do vazio. Sim, foi um silêncio, um desconforto, uma estafa, um desgaste corporal que não ajudava a cena andar. A cena não andava! Eram tentativas reais que se sucediam, mas que não vingavam. Simplesmente estavam ali por estar, por se mostrar, por afirmarem esse encontro conosco - atrizes e tentativas que, pro nosso desespero - ou não - nos atrapalharam de uma forma absurda hoje. Foi horrível pra mim estar ali. Sensação de domínio total de uma força maior sobre as nossas forças porque, como eu, não conseguia enxergar ninguém mais agindo. Só estando. Só persistindo.

estanque suspenso. máscaras de oxigênio.

No meio do furacão estou de fato em ato e desato.
As memórias estão arquivadas em algumas anotações num caderno.
Peço um tempo para movimenta-las em post na sequência breve que se segue.
Sem boicotes garanto.
Apenas uma organicidade necessária para não explodir antes do tempo intuido.
Logo, breve.
Um pouquinho só.

Falo..........

Onde estamos? No meio do furacão, sim. Não tenho dúvida alguma. E está bom. O caos nunca foi tão maravilhoso. O que temos? Estou me perguntando isso sempre e percebo que esta pergunta já não é a mais apropriada. Talvez devesse ter me perguntando o que estamos? O que estamos? Porque o tempo está sendo o da vivência, o da experiência. Qualquer sensação de captura e manutenção se perde em si mesma. Fica sempre o segundo que foge. Fica sempre a experiência que é pele e corte e memória. Tanta coisa. Tanta reunião. Tantas escolhas. O plural. O singular. Está sendo difícil bancar o embate. Está sendo difícil. Está sendo. Ponto.

Para a experiência estética se efetuar não deve haver determinação do sujeito em relação ao objeto – colocando em xeque, portanto, a hierarquia de um entendimento ativo sobre uma sensibilidade passiva.

O que parece interessante na leitura kantiana é a compreensão da experiência estética como fundadora de uma abertura singular do sujeito ao mundo e aos outros.

A aposta na potência da imaginação nasce no momento em que o homem se vê diante de um futuro aberto à experimentação e ao novo. Esta liberdade vai estimular o rompimento com os preceitos técnicos e normativos das academias de belas-artes que regiam as práticas artísticas, gerando, por um lado, um novo território de liberdade e originalidade e, por outro, uma desorientação frente aos parâmetros que garantiam a priori o estatuto artístico das obras.

Só pelo desinteresse é que os fenômenos são eles próprios. Eles se afirmam pelo mero fato de aparecerem, enquanto forma, para um sujeito, que os deixa ser livremente. Esse desinteresse é o que faz um fenômeno estético, uma obra de arte, ser e não ser simultaneamente realidade, assumindo-se sob o registro de “como se” que dá aos fenômenos a potência de serem possíveis sem serem atuais.

O interesse torna as coisas disponíveis para servirem aos fins impostos de fora às coisas. “Qualquer coisa que tomemos a partir do interesse é sempre representada tendo em vista alguma outra coisa”.

O vir-a-ser da obra, que é o lugar da manifestação da verdade da arte, não se explica pelas intenções do artista, mas pela maneira como estas se transformam em obra.

O ponto é pensar o ato criativo como uma intencionalidade sem intenção, que permita ao espectador julgá-la com o mesmo despojamento do fenômeno natural. É bom lembrar que sem desinteresse não há autonomia do fato estético, e, se a criação for puramente intencional, ela é mero resultado de um saber fazer, de uma técnica.

“O que faz da arte um enigma é o fato de que, apesar de ser uma atividade intencional, ela o é de forma a que nenhuma descrição das intenções do seu vir-a-ser possa esgotá-la”.

Não se trata de falar nestes mesmos termos para o artista hoje, mas sim de que ainda haja algo no fazer artístico que deve se manter como mistério, como inexplicável, como surpreendente.

Citações retiradas do livro RAZÕES DA CRÍTICA, de Luiz Camillo Osorio.

Caramba. Essas coisas ficaram na minha cabeça depois de ter lido este texto para um disciplina na faculdade. São incríveis. Essa relação da crítica ante à experiência estética. Fortaleceu ainda mais o processo que estamos empreendendo. Percebo a partir deste texto o quanto o nosso movimento não se submete ao movimento que poderíamos dizer ser o movimento a priori. Isso porque estamos indo pela intuição. Mesmo. Isso nos dá o mundo, a liberdade e, sobretudo, a desorientação. Eu estava um tanto preocupado em como montar uma peça que fala de erros e tentativas sem que caísse num movimento decorado e ensaiado de tais erros e tentativas. Pensava que esse ensaiado iria aniquilar a verdade do processo. Aniquilar a experiência que estamos vivenciando em sala de ensaio. Eu estava ligeiramente preocupado. Começando a pensar em performance, em como deixar o espetáculo mais aberto. Enfim… Passou. Não é isso. Era medo, sei lá, desespero ante ao incontrolável caos do universo! Muitos risos. Muitos risos muitos. Daí li isso e as coisas se ajustaram. Quer dizer que importa não a minha intenção do erro e da tentativa, é verdade, importa como vamos transformar essas intenções em obra. Destas intenções já não podemos escapar. Pois que então elas sejam o espetáculo naquilo que elas tenham de mais misterioso e revelador.

O mistério. Tenho pensado tanto nisso. Não esgotar. Sugerir. Nem sempre explicar. Nem sempre intencionar. Deixar as incoerências brincarem com os sentidos. Deixar que façam filhos em cena. O absurdo, a lógica, tudo brincando sem freio sem modelo. Percebemos num ensaio dia desses como uma lógica absurda é plena de sentido. É ela possuidora de algum sentido seu. Não vamos condenar. Vamos amar. O ponto é pensar o ato criativo como uma intencionalidade sem intenção. E foi quando lembrei o quanto estamos falando de não sinalizar o sentido daquilo que agimos. Não dizer que foi erro, não dizer que foi erro. Nosso ato de criação intencionalmente não tem intenção. É um espaço aberto para a recepção. Tem que ser experimentado. Não vai se dizer, não vai se dizer. Talvez, inclusive porque não se saiba. E qual é o problema nisso? Quem foi que disse que uma obra é esclarecimento? Eu tenho achado que a nossa obra vai ser um grande e pesado ponto de interrogação. Não?

Ontem antes de dormir, a encenação ESPERANDO GODOT que viaja dentro da minha cabeça me disse: Eu não quero ser lida no primeiro momento! A obra gritou, é verdade. Ela gritou: NÃO QUERO SER LIDA NO PRIMEIRO MOMENTO! É preciso, portanto, abri-la, como fossem petálas de flor. Mas temos fome. Não vai ser uma abertura assim tão generosa, querida obra. Haverá violência. Mas também amor. Complexo assim. Nem sim nem não talvez talvez.

terça-feira, 11 de maio de 2010

não desisitir

Me foi pedido, não desista, por isso estou aqui, pra dizer que desisti. Me dei esse luxo, joguei tudo pro alto, desisti de ser boa, desisti de fazer bem feito, desisti de agradar e o resultado disso foi que o pior de mim explodiu em fogos de artifício e meu corpo todo vibrou, meu corpo se desnudou, minhas roupas foram arrancadas, meu riso se converteu em incessantes gargalhadas e algo em mim deixou de morrer. Fica agora a vontade de repetir tudo de novo e a triste certeza que o que passou não se repetirá. Não me importa agora pensar o que fazer com isso, importa somente que eu vivi isso: a dor e a alegria de existir na presença do outro, com o outro e pelo outro.
Obrigada a cada um de vocês por esse encontro.

domingo, 9 de maio de 2010

ARTIFÍCIO, s.m.

ARTIFÍCIO

Termo de origem latina (artificium) que se utiliza como sinónimo de recurso retórico, isto é, o modo ou processo engenhoso pelo qual elaboramos um discurso. Neste caso, um artifício é um sinal de uma intenção artística no acto de criação literária, distinto, portanto, de outros actos naturais e espontâneos.

O artifício é um conceito central na poética formalista, estando ligado ao conceito de desautomatização (a libertação das palavras do automatismo que caracteriza o uso de uma língua por um grupo de falantes). O escritor tenta recorrer a estes artifícios para resgatar as palavras do seu uso corrente e ordinário, ou seja, procura ir mais além do mero significante, descobrindo relações e associações poéticas para a linguagem. Os artifícios verbais (as figuras de retórica) permitem concentrar a atenção na mensagem. A função primordial da arte seria então essa desautomatização dos mecanismos de percepção da língua, esse estranhamento que nos conduz à criação artística. Posta a questão em termos teórico-ficcionais, como o fazem Luísa Costa Gomes e Abel Barros Baptista, “Não é a escrita, toda ela, e sobretudo a de cartas, a mais genuína arte do artifício? Não é a escrita (...) a arte da desconversa, que fixa num papelucho aquilo que flui entre salas, entre cadeiras, de um sofá para outro, de um lado para o outro da cama?” (O Defunto Elegante, Relógio d’Água, Lisboa, 1996, p.37). A “desconversa” (como sinónimo de escrita e como sinónimo de artifício para a produção da escrita) pode funcionar como uma forma de desautomatização, que nos daria, então, o acesso à criação artística. O romance citado introduz também uma outra possibilidade: o entendimento do artifício como possibilidade de construção verbal artificial, o que nos levaria a considerar toda a escrita criativa como um artefacto ou uma simulação da linguagem do quotidiano que serve de suporte a uma comunidade linguística.

Uma acepção corrente de artifício é a sua correspondência com recurso técnico narrativo, identificável tanto nas narrativas cinematográficas, por exemplo, como nas narrativas literárias. Falaríamos, assim, de artifícios como fade-in/fade-out (focalização ascendente/focalização descendente), flash back, close-up, visão “por detrás”, visão “com”, visão “de fora”, etc. Estes artifícios comportam-se mais como suplementos da escrita do que como seus pilares fundadores, como acontece na acepção formalista atrás descrita.

Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/A/artificio.htm

artifício
(latim artificium, -ii, arte, profissão, conhecimento técnico, habilidade)

s. m.
1. Meio artificial através do qual se produz algo.
2. Habilidade, mestria técnica. = arte, indústria
3. Meio ou processo engenhoso de resolver ou obter algo. = ardil, artimanha, esquema, expediente, subterfúgio, truque
4. Capacidade de enganar. = astúcia, fingimento, manha
5. Aquilo que artificial, fingido.
6. Dispositivo usado para rebentar carga explosiva.

Fonte: http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=artifício

Ensaio #14

Cia. dos Atores – 05/05/2010 – 13h às 17h.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa, Fabíola e Verônica.

Trabalho incessante de improvisação a partir do Quinto Movimento estudado no ensaio anterior. As atrizes deveriam chegar com o texto decorado ou minimamente estudado. Começamos uma improvisação aberta, um grande jogo de viewpoints sobre o texto de Beckett, às 13h40 e encerramos o mesmo exatamente às 15h40. Duas horas de intensa investigação e de inúmeras proposições. Cansaço real, persistência, despudoramento. Levamos muitos dispositivos: cordas, luminária, extensão elétrica, camisinha, cenoura, beringela, livros, máquina fotográfica, bola de basquete, meia-calça, tênis, tecidos, esparadrapo, bolsa, gravata…

Em seguida, as meninas trabalharam com a preparadora vocal, Verônica Machado. Ao término do ensaio, conversamos bastante e percebemos como a lógica absurda tinha muita força para se tornar uma lógica real. Talvez porque, especulo agora, houve uma dilatação, tudo o que era proposto se gastava muito no tempo, na repetição. As atrizes receberam apenas uma regra: deveriam falar apenas o texto referente ao quinto movimento (cerca de duas folhas e meia de texto). Esse limite gerou a expansão. Esse limite provocou erros, acertos e mais que erros ou acertos, produziu tentativas. Vimos tentativas de boicote, mas ainda assim era inevitável constatar: elas estavam vivas e presentes. Estavam com os pés cravados no agora. No agora, enterradas.

Não colocarei no blog uma listagem do que foi produzido. As atrizes já selecionarm aquilo que de certa forma as marcou. No próximo ensaio fecharemos um esboço de cena a partir de tudo o que foi experimentado. Alguma reflexão sobre a montagem das cenas. Estes ensaios articulam três conceitos-chaves: imagem, jogo e metalinguagem.

IMAGEM. é a escrita cênica. é o artifício o meio o objeto. é a fuga aparente do real. fuga não como quem foge e não vê. mas como saída mesmo, como distanciamento necessário para enxergar a vida com a crueza de sua complexidade.

JOGO. meio para multiplicação dos pontos de vista. sob quais outros ângulos podemos ver o mesmo? relativização das certezas. o jogo como cena. a cena como uma sucessão de vivências expostas dos jogos.

METALINGUAGEM. as atrizes numa busca pela cena. a cena como parte constituinte do nosso espetáculo. o desejo de encontrar a cena no espectador. de encontrar o personagen, a cor a duração, a intensidade, encontrar o gesto. o desejo do encontro. do ser atriz.

Ensaio #13

Casa da Flávia – 03/05/2010 – 13h às 17h.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa e Fabíola.

Trabalho sobre o Quinto Movimento. Antes, porém, de começá-la, Fabíola nos trouxe uma série de reflexões muito interessantes sobre um estudo que havia feito sobre a adaptação, depois de tê-la recebido no ensaio anterior. Dentre as coisas que ela foi abrindo e colocando em discussão, marco algumas questões de extrema importância.

CIRCULARIDADE. Estamos falando muito essa palavra sem saber ao certo de onde veio. Eu sempre falo que devo ter lido em algum material sobre Beckett, mas não importa a fonte. Importa a sugestão do sentido. E pensar circularidade em ESPERANDO GODOT é pensar um movimento – único ainda que feito por partes – pelo qual as coisas todos que nele ocorrem sugerem sempre uma volta ao mesmo, um caminho que termina de novo em si, em um mesmo começo, ou seja, uma circularidade no sentido de um fluxo que nunca acaba porque sempre se recomeça. E sempre da mesma forma. Quase da mesma forma. Os personagens, as atrizes, estão todos presos ao destino cruel como informa Beckett, e é destino porque já se sabe o que virá. E é cruel porque se tem consciência de tal fato. Fabíola exemplifica a circularidade de uma forma toda especial: Lucky começa reclamando que apanhou, que bateram nele. Momentos depois – numa temporalidade linear proposta pelo texto e mantida na adaptação – presenciamos Lucky batendo em Estragon. Será que no início da peça Estragon reclama por ter apanhado de Lucky, mas não se lembra de quem foi? Circularidade.

Lucky. Fabíola também nos propõe que Lucky é o único sortudo (Lucky em inglês significa sortudo) justamente porque sabe de alguma coisa. No entanto, seu fluxo de consciência, sua fala, sua tentativa de esclarecimento é sempre interrompida e boicotada. Inúmeras vezes em seu monólogo é diz a palavra interrompido. E outras várias diz recomeço. Eu disse a elas que acredito que há uma clareza tão grande na fala de Lucky, que ele acaba a perdendo. A compreensão real de alguma coisa, a meu ver, gera aquele estado em que o ser já não se administra, não se consegue fazer legível. O ser vira escravo de si mesmo. De sua consciência, enfim… O excesso de luz traz a cegueira. O excesso de fala traz a mudez.

Mistério. A Flávia nos trouxe essa palavra. Dias depois do ensaio ela acabou me sequestrando de mim. Já não consigo não pensar nesta encenação como um jogo que tenta desvendar o impossível, um jogo pelo o qual quatro atrizes se movem em plena escuridão e esbarram em pedras, produzindo faíscas de compreensão. Ao invés de absurdo, quem sabe exista um tom de mistério? Quem é Godot? Elas estão em volta de uma mesa apenas. Mas sobre a mesa, bailando no ar, um mistério grita. O silêncio está cheio de nossos gritos. É o Leitmotiv, Phil, em notas graves, dizendo ou tentando dizer: GO… DOT… Dê um fim. Dê um ponto. Arremate-se.

Parece claramente que a coisa mais importante no céu e sobre a terra é obedecer por muito tempo e numa mesma direção: com o passar dos dias, surge daó alguma coisa pela qual nos vale a pena viver sobre esta terra como, por exemplo, a virtude, a arte, a música, a dança, a razão, o espírito, alguma coisa que transfigura, alguma coisa de refinado, de louco ou de divino…

Citação de Nietzsche que Camus revela num dado momento de seu livro O MITO DE SÍSIFO. Discutimos um pouco sobre essa persistência sobre algo que acaba por ser transfigurado.

Começamos a estudar o texto a partir do que Anne Bogart nos abriu em seu texto TERROR, DESORIENTAÇÃO E DIFICULDADE. Ela citou alguém que cera vez afirmou que o papel da arte era o de trazer à tona as perguntas que haviam sido escondidas nas respostas. Lemos algumas vezes o quinto movimento, refletimos sobre a costura dos trechos do primeiro e segundo ato, falamos de possíveis substituições de significados e dos campos meta e teatro. Em suma, preparamos o terreno para o ensaio seguinte, quando viríamos a improvisar a partir desse trecho da adaptação.

“O Mito de Sísifo”, Albert Camus

Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.

Se acreditarmos em Homero, Sísifo era o mais sábio e mais prudente dos mortais. Segundo uma outra tradição, porém, ele tinha queda para o ofício de salteador. Não vejo aí contradição. Diferem as opiniões sobre os motivos que lhe valeram ser o trabalhador inútil dos infernos. Reprovam-lhe, antes de tudo, certa leviandade para com os deuses. Espalhou os segredos deles. Egina, filha de Asopo, foi raptada por Júpiter. O pai, abalado por esse desaparecimento, se queixou a Sísifo. Este, que tomara conhecimento do rapto, ofereceu a Asopo orientá-lo a respeito, com a condição de que fornecesse água à cidadela de Corinto. Às cóleras celestes ele preferiu a bênção da água. Foi punido por isso nós infernos. Homero nos conta ainda que Sísifo acorrentara a Morte. Plutão não pôde tolerar o espetáculo de seu império deserto e silencioso. Despachou o deus da guerra, que libertou a Morte das mãos de seu vencedor.

Diz-se também que Sísifo, estando prestes a morrer, imprudentemente quis pôr à prova o amor de sua mulher. Ele lhe ordenou jogar o seu corpo insepulto em plena praça pública. Sísifo se recobrou nos infernos. Ali, exasperado com uma obediência tão contrária ao amor humano, obteve de Plutão o consentimento para voltar à terra e castigar a mulher. Mas, quando ele de novo pôde rever a face deste mundo, provar a água e o sol, as pedras aquecidas e o mar, não quis mais retornar à escuridão infernal. Os chamamentos, as iras, as advertências de nada adiantaram. Ainda por muitos anos ele viveu diante da curva do golfo, do mar arrebentando e dos sorrisos da terra. Foi necessária uma sentença dos deuses. Mercúrio veio apanhar o atrevido pelo pescoço e, arrancando-o de suas alegrias, reconduziu-o à força aos infernos, onde seu rochedo estava preparado.

Já deu para compreender que Sísifo é o herói absurdo. Ele o é tanto por suas paixões como por seu tormento. O desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valeram esse suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada. É o preço a pagar pelas paixões deste mundo. Nada nos foi dito sobre Sísifo nos infernos. Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste caso, vê-se apenas todo o esforço de um corpo estirado para levantar a pedra enorme, rolá-la e fazê-la subir uma encosta, tarefa cem vezes recomeçada. Vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de uma espádua que recebe a massa recoberta de barro, e de um pé que a escora, a repetição na base do braço, a segurança toda humana de duas mãos cheias de terra. Ao final desse esforço imenso medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo; então, vê a pedra desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até os cimos. E desce de novo para a planície.

É durante esse retorno, essa pausa, que Sísifo me interessa. Um rosto que pena, assim tão perto das pedras, é já ele próprio pedra! Vejo esse homem redescer, com o passo pesado, mas igual, para o tormento cujo fim não conhecerá. Essa hora que é como uma respiração e que ressurge tão certamente quanto sua infelicidade, essa hora é aquela da consciência. A cada um desses momentos, em que ele deixa os cimos e se afunda pouco a pouco no covil dos deuses, ele é superior ao seu destino. É mais forte que seu rochedo.

Se esse mito é trágico, é que seu herói é consciente. Onde estaria, de fato, a sua pena, se a cada passo o sustentasse a esperança de ser bem-sucedido? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas e esse destino não é menos absurdo. Mas ele só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua condição miserável: é nela que ele pensa enquanto desce. A lucidez que devia produzir o seu tormento consome, com a mesma força, sua vitória. Não existe destino que não se supere pelo desprezo.

Se a descida, assim, em certos dias se faz para a dor, ela também pode se fazer para a alegria. Esta palavra não está demais. Imagino ainda Sísifo indo outra vez para seu rochedo, e a dor estava no começo. Quando as imagens da terra se mantêm muito intensas na lembrança, quando o apelo da felicidade se faz demasiadamente pesado, acontece que a tristeza se impõe ao coração humano: é a vitória do rochedo, é o próprio rochedo. O enorme desgosto é pesado demais para carregar. São nossas noites de Getsêmani. Mas as verdades esmagadoras perecem ao serem reconhecidas. Assim, Édipo de início obedece ao destino sem o saber. A partir do momento em que ele sabe, sua tragédia principia. Mas no mesmo instante, cego e desesperado, reconhece que o único laço que o prende ao mundo é o frescor da mão de uma garota. Uma fala descomedida ressoa então: "Apesar de tantas experiências, minha idade avançada e a grandeza da minha alma me fazem achar é que tudo está bem”. O Édipo de Sófocles, como o Kirílov de Dostoiévski, dá assim a fórmula da vitória absurda. A sabedoria antiga torna a se encontrar com o heroísmo moderno.

Não se descobre o absurdo sem ser tentado a escrever algum manual de felicidade. "Mas como, com umas trilhas tão estreitas?" No entanto, só existe um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Ocorre do mesmo modo o sentimento do absurdo nascer da felicidade. "Acho que tudo está bem", diz Édipo, e essa fala é sagrada. Ela ressoa no universo feroz e limitado do homem. Ensina que tudo não é e não foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele havia entrado com a insatisfação e o gosto pelas dores inúteis. Faz do destino um assunto do homem e que deve ser acertado entre os homens.

Toda a alegria silenciosa de Sísifo está aí. Seu destino lhe pertence. Seu rochedo é sua questão. Da mesma forma o homem absurdo, quando contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos. No universo subitamente restituído ao seu silêncio, elevam-se as mil pequenas vozes maravilhadas da terra. Apelos inconscientes e secretos, convites de todos os rostos, são o reverso necessário e o preço da vitória. Não existe sol sem sombra, e é preciso conhecer a noite. O homem absurdo diz sim e seu esforço não acaba mais. Se há um destino pessoal, não há nenhuma destinação superior ou, pelo menos, só existe uma, que ele julga fatal e desprezível. No mais, ele se tem como senhor de seus dias. Nesse instante sutil em que o homem se volta sobre sua vida, Sísifo, vindo de novo para seu rochedo, contempla essa seqüência de atos sem nexo que se torna seu destino, criado por ele, unificado sob o olhar de sua memória e em breve selado por sua morte. Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar.

Deixo Sísifo no sopé da montanha! Sempre se reencontra seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também acha que tudo está bem. Esse universo doravante sem senhor não lhe parece nem estéril nem fútil. Cada um dos grãos dessa pedra, cada clarão mineral dessa montanha cheia de noite, só para ele forma um mundo. A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um coração humano. É preciso imaginar Sísifo feliz.

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trecho que integra a obra O MITO DE SÍSIFO de Albert Camus.

A não-resolução em Wagner e em Godot.

Partindo de Wagner, achamos bom ter uma obra do compositor como nosso leitmotiv. Uma ópera de Wagner como Leitmotiv. Algo que nos dê uma base, um ponto de partida, um caminho. Deveríamos achar em suas óperas algo que pudessemos extrair e que de alguma forma se espelhasse com a peça. Não sabíamos o que seria, uma melodia, um tema, um personagem, uma cena, uma ideia.

Enfim, Diogo me emprestou um livro de ópera e alemã e junto com outras leituras, penso que achei algo que caiba na peça e na sua ideia de encenação.

Tristão e Isolda.
Alguns críticos opinam que Tristão e Isolda (1857-1859) é a maior ópera do compositor. Tão complexo e diferente de tudo o que já tinha sido feito antes que ele só conseguiu encená-lo em 10 de junho de 1865, em Munique, graças ao patrocínio do Rei Ludwig II da Baviera.
Inspirada na lenda céltica, Wagner modificou-a, cortando personagens, adaptando de acordo com suas necessidades, a ópera conta também com grande influência das ideias pessimistas de Schopennhauer, com quem Wagner entara em contato em 1852: fascínio pela relação amor/morte, pela ideia da noite como uma forma de refúgio e libertação que se equaciona com o outro mundo e a lógica interna da peça de que é impossível a plenitude amorosa num mundo contigente onde tudo é imperfeito e que só no absoluto da morte esse sentimento pode realizar-se com integral pureza são influencias deste pensamento pessimista. Ideias budistas também influenciavam Wagner nesta época.
Sejam quas forem suas infleuncias, foi sua ópera, mais do que a lenda que pôs Tristão e Isolda na galeria dos grandes apaixonados.

Tudo muito lindo, mas em que essa ópera pode se assemelhar com Esperando Godot?

Nessa ópera o uso do cromatismo sistemático (utilização das notas da escala cromática - composta de 12 semitons - no contexto de uma composição tonal), modulações constantes , impedindo que uma tonalidade imponha se como a predominante, gera a total ambiguidade harmônica. A instabilidade e flutuação permanente que essa técnica produz correspondem à tensão interna do drama narrado, à sua inquietude existencial de matriz schopennhaueriana. Da mesma forma que, na música, nunca se cria a sensação de repouso ( as variadas formas de espera sem resoluções) trazida pela resolução tonal, Tristão e Isolda também se angustiam por tomar consciência de que seu amor - condenado pelo sistema de valores do mundo que vivem - não é possível no mundo da realidade. Só na morte, isto é, no plano Ideal, eles poderão unir-se eternamente. ( acho que aqui temos um parelelo bem forte, sendo a morte, talvez, a nossa verdadeira espera. Porque não Godot poderia ser a Morte? Esta como uma ideia abstrata e não a morte apenas como o fim da vida de um ser? Ou de outra forma, a razão principal pela qual buscamos tudo de forma atabalhoada, nos dias atuais. Seria a busca por mecanismos que nos façam esquecer da morte)

A técnica do cromatismo sistemático faz com que cada vez que o desenvolvimento melódico se aproxima da resolução ( A expectativa do fim de uma espera, a angustia, o ar que não vem e sua necessidade que passa a ser maior justamente por ele não vir), a modulação para outra tonalidade impede a cadência conclusiva. (a continuidade da espera, a repetição que irá gerar nossas angustias e que nunca se resolve)
O cromatismo não é um elemento decorativo, nem uma transgressão da norma representado pelo sistema diatônico. Pelo contrário, é a razão de ser da partitura, de tal forma que são poucos os motivos diatônicos - ou seja, os que possuem tonalidade determinada - que forma exceção à linguagem de conjunto. Assim sendo, eles constituem os "espectros do dia que conseguiram violar o abraço noturno do drama do amor" (as esperas que chegam ao fim, não necessariamente sendo positivas para os que as esperaram, no caso da ópera, a resolução é a morte) . O cromatismo sistemático cria a total ambiguidade harmônica, impedindo o ouvinte de perceber uma lógica de tonalidade-desenvolvimento-resolução (ideia do "quem espera sempre alcança"), o "conflito contínuo entre o que é e o que poderia ser faz dessa música o instrumento adequado para expressar a mistura de insegurança e tensão passional que caracteriza o drama" ( D.J Grout).
O único momento em que uma tonalidade aparece explicitamente é na cena de morte de Tristão, no ato III - justamente porque, com a morte, o seu conflito íntimo está se "resolvendo" (a chegada de Godot): libertado do mundo material e contigente, ele poderá unir-se a Isolda na Eternidade.

Esse texto é baseado no livro " A Ópera Alemã" de Lauro Machado Coelho e as partes em vermelho são minhas visões de como essa questão técnica da ópera Tristão e Isolda se aproxima das questões levantadas na peça. Seria ótimo ouvir a opinião de vocês.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

sinopse

Essa encenação de "Esperando Godot" pretende se aproximar de certos conceitos apontados por Beckett na sua obra como: a circularidade, a repetição, o intrateatro, a metalinguagem, a tentativa, a desistência, o jogo e o humor. São quatro atrizes na função de representar quatro personagens de Beckett que por sua vez representam eles mesmos outros personagens, uma grande brincadeira de encenação que não cessa nunca e que abarca com bom humor e delicadeza as angústias e alegrias próprias da existência humana.

ENSAIO DE 05 DE MAIO

Vamos lá
vou dizer de coisas que me saltaram aos olhos nesse último ensaio dia 05 de maio. Coisas que apontam uma possibilidade de encenação e coisas que tenho sentido falta.

vislumbrei nesse último encontro a possibilidade real de nessa encenação as quatro atrizes estarem não só revezando personagens como também vestindo diversos personagens. Por vezes situações específicas nos coloca em contato com certos tipos, com certas construções de personagens que pode se tornar interessante. Exemplifico o meu dizer com algumas cenas como: eu e Carolê representando as "velhas contrabandistas" sentadas ao redor da mesa; o momento em que Adassa virou um bêbê enquanto as outras três a mimavam; o momento em que Fabíola e e Ada se arrastavam no chão repetindo as palavras meias e botas. vislumbro quase como um intrateatro onde seremos os personagens de Beckett brincando de ser outros personagens.
e por vezes brincar de ser a atriz mesmo, brincar de ser Flávia mesmo (metalinguagem)

uma esquizofrênia boa, boa mesmo porque divertida.

No momento sinto falta de um pouco mais de calma durante as improvisações, como se pudessemos permitir que o vazio total e/ou o silêncio total aconteça. é importante passarmos também por esse lugar, do nada, do nada a fazer, do literalmente nada a fazer. Mas o que acontece é que estamos sempre fazendo alguma coisa para dar a impressão que existimos. Vou me atentar para isso, eu preciso de mais calma e principalmente de inserir nas minhas improvisações o PdD.

objetos e cenas que ficaram para mim:

gravata
meias
objetos fálicos
camisinha
momento da reza do padre
exorcização da Fabíola
telefone celular
Frida Kallo
bigode da Frida Kallo
catatonia do Lucky

O que foi o dia cinco de maio.

O que pode ter ficado, pro bom ou pro ruim, afinal, foi


  • nomeações diversas dos objetos (das frutas, de outras coisas como frutas, enfim);
  • bolada nas costas "ai, um rabanete...!";
  • Ada e Fabíola "botaaasss... meeeiaass... meiiiinhaass...";
  • Carolê e Flavinha: cena do telefone sentadas na mesa;
  • Ada e Flavinha usando a lâmpada como microfone;
  • descrição dos acontecimentos sem som (fiz isso, adorei, acho que ninguém notou, então deve estar aqui pro ruim);
  • exorcismo;
  • Flavinha arrumando a cena e se arrumando para partir;
  • movimentos repetidos: parede, Godot, Godot, aahr, aahr...;
  • Carolê surtando com força o texto;
  • Fabíola olhando Flavinha se contorcendo no chão com cara de indiferença e dizendo "Isso está ficando cada vez mais insignificante".

foi o que lembrei agora...

Sinopse...?

Esperando Godot diz respeito a nós, como indivíduos, como artistas, como humanidade. É a utilização de ferramentas próprias, únicas, para transgredir valores, idéias, conceitos tidos a priori e que engessam os modos de estabelecimento do homem perante si mesmo, perante o mundo. Esperando Godot é o encontro do outro com si mesmo.