Depois do vigésimo quinto ensaio, fizemos uma pausa que durou 10 dias. Só nos reencontraríamos de novo na segunda-feira 14 de junho. Uma longa pausa. Aparentemente equivocada, já que há tanto a se fazer. Já que é preciso agora levantar essa peça, como costumamos dizer. Mas não. Foi pausa necessária. Os ensaios em que improvisamos sobre o texto. Em que cortamos ainda mais o texto. Tais ensaios foram muito produtivos. Até o ensaio #25 estávamos acumulando material, levantando possibilidades. Depois deste, começaríamos inevitavelmente a selecionar e fixar aquilo que nos parece importante de ser fixado. Durante esse tempo anterior à pausa, no entanto, tivemos que lidar com angústias e sensação de estar num jogo errado e pervertido. Como assim não fixar nada? Por que esta encenação não foi até agora esboçada? A resposta está nela mesma. Está naquilo que ela é: tentação. Ato de tentar. Ato constante de pôr em tentativa. De buscar. Nosso ESPERANDO GODOT não quer estar pronto. Ele precisa respirar.
Mas – e sempre um “mas” haverá – já é hora. Fechei nesta pausa de dez dias o roteiro do espetáculo. Uma ordem, uma sequência, um fio a seguir. Um esboço mesmo, porque agora o esforço é o de dar cor ao que foi riscado. Dar apuro aos rabiscos e forma ao que esteve este tempo todo meio solto meio indo e sumindo voltando e nos perguntando: e ai, galera, o que vocês vão fazer comigo? O que vocês farão com esta ideia maravilhosa perdida no saco de ideias milhares que foram encontradas e perdidas e tentadas e perdidas e rebobinadas. E agora, Josés?
Aleautoria. Sentei-me numa tarde e fechei o roteiro. Ele é composto por oito movimentos. Mas não são aqueles que estavam no texto que serviu de base para a improvisação. Estão em outra ordem. Uns se repetem. Outros não. Uns se repetem duas, três, até quatro vezes. São oito movimentos. Seriam oito tentativas? Não. As tentativas multiplicam-se dentro de um movimento apenas. E cada movimento comporta mais tentativas do que se possa sugerir.
E este roteiro, o que é?
Nele há algumas escolhas bem intencionais, bem racionalizadas. Os movimentos que escolhi foram: PRIMEIRO, QUARTO, QUINTO e OITAVO. Ou seja, escolhi a abertura do espetáculo, o seu meio e o fim. Na abertura escolhi o material que nos apresenta a situação desta encenação. As quatro atrizes se referindo a elas mesmas afirmam estar ali esperando Godot. No quarto e quinto, mantive a sequência de acontecimentos que começa com a entrade de Pozzo e Lucky e termina com o monólogo de Lucky. Enquanto para encerrar a peça, escolhi o aparecimento do Menino, trazendo a notícia de que GODOT não virá. No entanto, feitas essas escolhas, ainda restavam quatro movimentos a serem preenchidos. Então, fiz um sorteio: tinha SEGUNDO, TERCEIRO, SEXTO e SÉTIMO movimentos. E material improvisado a partir dos antigos movimentos: PRIMEIRO, QUARTO, SEGUNDO e QUINTO. Escrevi tais movimentos em pedaços de papel e joguei-os sobre a mesa. E me disse, não sem muito tremer, o SEGUNDO MOVIMENTO de ESPERANDO GODOT partirá do que foi improvisado a partir do… E assim a configuração abaixo se firmou.
PRIMEIRO MOVIMENTO – a partir do antigo TERCEIRO MOVIMENTO,
que improvisamos no ensaio #24 – este novo movimento será tentato apenas uma vez;
SEGUNDO MOVIMENTO – a partir do antigo PRIMEIRO MOVIMENTO,
que improvisamos no ensaio #24 – este novo movimento será tentado duas vezes seguidas;
TERCEIRO MOVIMENTO – a partir do antigo QUARTO MOVIMENTO,
que improvisamos no ensaio #25 – este movimento será tentado três vezes seguidas;
QUARTO MOVIMENTO – a partir do antigo SEXTO MOVIMENTO,
que improvisamos nos ensaios #18, #19 e #20 – este movimento será tentado apenas uma vez;
QUINTO MOVIMENTO – a partir do antigo SÉTIMO MOVIMENTO,
que improvisamos nos ensaios #22 e #23 - este movimento será tentado apenas uma vez;
SEXTO MOVIMENTO – a partir do antigo SEGUNDO MOVIMENTO,
que improvisamos no ensaio #21 - este movimento será tentado quatro vezes;
SÉTIMO MOVIMENTO – a partir do antigo QUINTO MOVIMENTO,
que improvisamos nos ensaios #14, #15 e #17 - este movimento será tentado três vezes;
OITAVO MOVIMENTO – a partir do antigo OITAVO MOVIMENTO,
que improvisamos no ensaio #16 – este movimento será tentado duas vezes;
O que fiz, depois disso, foi definir uma quantidade específica de repetições. Segui uma ordem crescente que descresce ao chegar no número máximo de quatro tentativas. Assim, tenho 1, 2, 3, 1, 1, 4, 3, 2 repetições. As repetições únicas no meio do espetáculo dizem respeito às cenas com Pozzo e Lucky, que são o registro mais interpretativo desta encenação. Nestes movimentos o material dramatúrgico quase que nos exige sua representação, sua interpretação no registro TEATRO, diferindo dos outros movimentos, que funcionam com mais facilidade sob o registro META. Em outras palavras, nos movimentos QUATRO e CINCO, há distribuição de personagens, cada atriz faz um dos quatro (Vladimir, Estragon, Pozzo e Lucky). Nos outros movimentos, porém, as falas dos personagens são dadas para as atrizes. São elas que falam…
Bom. Escolhas são feitas assim. Agora é seguir. Já construímos no ensaio #26 o primeiro movimento e especulamos possibilidades para o segundo, que trabalharemos no ensaio de amanhã (# 27). O esforço agora é acompanhar as coisas se ajustando e modificando a cada ensaio. Montar uma cena não quer dizer que se torna impossível tocar nela outra vez. É apenas um lugar dentro do qual precisa se encontrar vida. Um cercado, um limite, marcas que precisam respirar.
A partir de agora o verbo não é mais angústia. Qual será?