UFRJ – 20/06/2010 – 13h/17h.
Diogo, Carolline, Flávia, Adassa, Fabíola e Lívia Flores.
No meu caderno escrevi: FOI O ENSAIO. Em volta da mesa. Tentamos começar mas ali ficamos. Persistindo, tentando assimilar alguma coisa. Foi onde pequei, o auge do meu erro enquanto diretor, porque nesse processo onde tudo foi feito junto, ali era o momento em que um dado problema se apresentou e eu não soube fazer frente a ele. Eu me apaixonei pela dificuldade, pelo terror, pela desorientação, por Anne Boogart e por essas meninas. Então, qualquer sofrimento individual em mim transtornava os ânimos e isso era ainda mais material para essa encenação já abarrotada de substância.
As meninas não estavam satisfeitas. E eu comprei sua insatisfação. E juntos, percebemo-nos insatisfeitos. Ou seja, vendo agora, semanas depois, naquele momento o provérbio QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA desmoronava a nossa frente e, cabisbaixos, só conseguíamos perceber que QUEM ALCANÇA SEMPRE ESPERA. Fabíola disse tanto sobre tudo aquilo que havíamos passado. Ela disse sobre máscara de cachorro, sobre ficar segurando uma placa, ela frisou mil coisas falando ininterruptamente como Lucky em seu monólogo da clareza. Foi foda, é sério. O que ela disse, em suma, foi que o nosso Godot já tinha chegado. E rapidamente vislumbramos o problema: como fazer Godot chegar de novo, de verdade, outra vez? Como trazer a intensidade do processo para dentro da peça, essa tal estrutura ensaiada, essa decupagem com uma hora de duração que é justamente a seleção de mais de 60 horas de material produzido?
Estávamos fudidos, descabelados, eu comecei a fumar um cigarro, a Flávia começou a chorar, algumas ainda estáticas, os ânimos confusos, tudo sinistro. E disse de novo Lucky, ou Fabíola, no auge do seus aforismos, Beckett deve estar rindo da gente neste momento. Percebemos-nos parte desse jogo. O nosso processo de ensaio foi a construção desses personagens, mas por outras vias. Eu me sentia o menino, ali, naquela sala de ensaio, no vigésimo nono encontro, precisando dizer a elas que Godot não ia chegar.
A Flávia, de pé, descabelada, chorando, apontando o braço para mim e dizendo, Você acabou comigo! Caralho, que merda. Foi ruim, foi bom. Foi complexo. É que descobrimos aquilo que já havia sido cantado lá atrás, fazer arte às vezes é uma merda. Mesmo. Estávamos rendidos. A professora orientadora Lívia Flores embarcou na nossa agonia e disse coisas preciosas. Ada nos falou, com as suas palavras, isso quer dizer que teremos que fazer uma improvisação? Eu sabia que sim. Eu sabia que não.
Discutimos horas a fio sobre quem estava esperando GODOT e sobre quem estava esperando ESPERANDO GODOT.
Não saímos do lugar. Optamos por refazer o roteiro do espetáculo e nos encontramos na manhã seguinte, na casa da Flávia, para fecharmos isso. No ensaio de quarta, começaríamos a levantar as cenas. Mais uma vez. Porque somos inesgotáveis.