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domingo, 27 de junho de 2010

Falo............

Que engraçado, não? Na última postagem com este título, Falo..........., expliquei um pouco sobre o roteiro do espetáculo. 10 dias depois, nada dele sobreviveu ao atrito da sala de ensaio. Estamos tentando mais do que a dramaturgia, tentando mais do que apenas improvisar cenas, estamos também tentando fazer a peça, de verdade. A Flávia postou faz alguns dias que a coisa da metalinguagem acabou ganhando uma força tal. É verdade, fomos tragados por tudo aquilo que serviu de conceito ao espetáculo. Estamos sentindo na pele, mais do que antes, as questões sobre metalinguagem, sobre espera, sobre desejo, sobre boicote, limites, expansões e erros. Estou aqui na urgência para dar forma, para conseguir desenhar este esboço a tempo de junto às atrizes preenchê-lo de vida. E percebo agora como este movimento é o derradeiro, é o auge do nosso processo. Auge porque tudo agora é mais difícil, as escolhas são todas mais determinantes.

Lembro-me das palavras. Afirmamos aqui mesmo neste blog, lá nos inícios, que esta montagem de ESPERANDO GODOT era um estudo sobre o ERRO, sobre LIMITES, EXPANSÕES, BOICOTE e sobre o AGORA. Que loucura. Nos afastamos de tudo isso e fomos tragados de volta. Que especial. Que processo. Que coisa. Que isso! Nossos limites nos boicotam e agora precisamos expandir, ainda mais. Erramos e nos percebemos vivos, ainda em tentação, seres ainda incompletos. Estamos nos debatendo com algo que escrevi lá no projeto, estamos de frente para o caráter genuinamente complexo do ser humano, diante a complexidão de ser humano. Ponto.

Palavras, palavras… A coisa da bobeira, a coisa da comédia. Lembrei de novo da inflexibilidade citada por Bergson. Dela nasce o riso. Daquilo que não consegue, daquele corpo que não é ágil o suficiente para superar o tombo. E cai. É possível representar a inflexibilidade? É possível evocar o riso. O riso, creio hoje, sela o nosso encontro com a platéia. Sela o nosso encontro com Godot.

Não quero dizer mais nada. Estamos vivendo isso. Estamos isso: vivendo. Olha o que a arte vem e faz com a gente. Nos reunimos em torno de um objetivo comum e agora é ele que nos puxa e nos prende, impedindo a fuga. É que eu estou perplexo ao ver as peças todas, todos os pedaços, e ir vendo entre cada parte um sentido, uma sensação, algo tão vital. É bom. É mais do que isso. Porque ao mesmo tempo em que é o nosso teatro, a nossa tentativa de fazer a arte que escolhemos para nossa vida, é desde já a nossa vida se reinventando em sala de ensaio. O limite se confundiu. Não se sabe mais ao certo o que é de Vladimir ou o que é da Flávia. Os personagens foram se ajeitando, eles forem se sentindo quentes e aconchegados nos corpos das meninas. Estragon e Caroll são uma coisa só. Não estou falando que as interpretações estão perfeitas isso e aquilo. Isso realmente não importa. Estou dizendo que nesse jogo a gente se encontrou com as peças. Ada e Pozzo disputam nossa atenção. A Fabíola que disse antes de todas que não queria interpretar Lucky, é o nosso Lucky, mas aquele que está vivo nela, não uma receita, não algo pré-estabelecido.

As meninas são os meninos? Ou foram os tais meninos que nelas se encontraram? No final das contas, o que desde o início era uma confusão, agora se revela como fato, coisa assim sobre a qual não temos questões. Mas que nem por isso não precisam ser questionadas. Eu me sinto, neste momento, exatamente o Menino. O mensageiro que chega dizendo que Godot não virá. Sinto-me o estraga prazer que veio dar marca ao jogo entre Vladimir, Estragon, Pozzo e Lucky. Eu vim dizer a duração das falas, as intenções, eu vim dar o tempo, delimitar o espaço. Eu vim ser sem graça. Ficar mal por tudo isso. Vim ficar constrangido. Vim ser cínico e inoperante. Com cara de pau para dizer, depois de tudo isso, que Godot não virá.

Ora, por favor. Eu queria poder gritar, ELE NÃO VEIO PORQUE JÁ ESTÁ AQUI!!! Mas, de fato, nem sempre um ator consegue convencer a platéia. Nem sempre convence os outros atores que estão com ele em cena. Às vezes ele se boicota. Às vezes é um equívoco de primeira. Acho que isso me faz pensar se um erro precisa ser verdade para ser erro? Se um boicote precisa acontecer de fato para ser boicote…

Quem espera sempre alcança. Sem dúvida. O como se espera, é que faz toda a diferença.