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sexta-feira, 5 de março de 2010

Falo…..


São quase oito horas da manhã. Hoje eu acordei nublado, mas o dia lá fora está radiante. Faz dias que o dia não se mostra assim. Eu preciso aproveitar. A neblina que paira por sobre as coisas precisa ganhar outra adjetivação. Eu preciso seguir, espalhando esse caos e indo nele encontrar alguma comunhão possível.

abrir janelas e voar..........

A angústia do não-saber

“Este projeto, então, quer expor um processo de descoberta desta obra feito pelo embate dos artistas com a mesma. Quer ser este projeto – nele mesmo – a obra e o encontro com ela”. Bom, se eu disse que este projeto seria nele mesmo a obra e o encontro com ela, bom, eu não devo nem posso privar minha atenção – meu afeto – deste caminho. Não está sendo fácil, mas isso serve. O caminho tortuoso é preciso.

Por isso, vou tentar aqui delinear algo mais: o projeto quer ser a obra ESPERANDO GODOT e o encontro – nosso – com a mesma. Logo, podemos dizer, que a encenação deste texto será a montagem de suas cenas e, inevitavelmente, alguma exposição sobre o seu processo de construção. Quer dizer que podemos expor uma cena e a cena seguinte ser revelada pela construção. Quer dizer que podemos revelar uma mesma cena pela construção e depois construída. Revelar construções e mais construções e termos ao final do espetáculo uma única cena de pé, montada.

É isso, cara. É isso. Mas voltemos, pois, ao porquês. O que você quer dizer (ou fazer sentir) com essas escolhas? Bom… Tem sempre esse tempo de alienação. O que eu quero? Eu quero transitar tentativas. Eu quero tentar errar revelando o erro e voltar com outra proposta que nos sirva. Quero ver a personagem tal ir se esboçando e se perdendo e se estabilizando. Quero que a personagem cole à atriz e dela não queira sair, quero inclusive desobedecer o jogo e ir fazendo, quem sabe, a encenação de GODOT ir fisgando seus jogadores. Aquilo que começou entre atrizes terminar entre personagens. A busca… A busca… Eu acho que eu tô querendo muita coisa.

Da adaptação da dramaturgia

Este processo está sendo dolorosamente interessante, porque o que estou fazendo – antes de propor um mix do primeiro com o segundo ato de GODOT – é eliminar toda e qualquer rubrica, deixando o texto cru de ação escrita e dotando-o apenas daquelas que são sugeridas, pelo texto dito, seja pela situação evocada. Tudo o que eu estudo sobre a dramaturgia de ESPERANDO GODOT me diz coisas que – entre aspas – destroem essa minha tentação. Eu tirando as rubricas estaria montando outra coisa que não GODOT? Eu estaria destruindo uma composição escrita milimetricamente, eu estaria destruindo isso ou aquilo? Sinceramente, se isso for verdade, então que assim seja.

EU NÃO ESTOU MONTANDO Esperando Godot.

Eu estou montando formas que revelem como o ESPERANDO GODOT envolveu meu estômogo. Formas para revelar o incompreensível. Não nos é possível saber tudo agora. Mas estamos mesmo flertando com o abismo. E eu, diretor, preciso ultrapassar a força das metáforas para aceitar – acreditando – que o caminho é esse mesmo o qual não canso de dizer. Vamos inventar. Vamos deixar GODOT nascer mas pelo nosso ventre. Pelo nosso. Não é a toa que são quatro atrizes e não quatro atores.

A incompreensão não é apenas nossa. Eles também não o sabem:

POZZO – Não se fala mais nisso. De pé! Toda vez que cai, ele adormece. De pé, carniça! Para trás! Alto! Vire! Caros amigos, fico feliz em tê-los encontrado. De fato, estou genuinamente feliz. Mais perto! Alto! Vejam vocês, o caminho é longo quando se caminha tão solitário por... Por... Seis horas, sim, exatamente, seis horas a fio, sem encontrar vivalma. Casaco! Segure isto. Casaco! Bate um vento frio a esta hora. Chicote! Vejam vocês, caríssimos, não posso passar tanto tempo sem a companhia de meus semelhantes, mesmo quando a semelhança é um tanto imperfeita. Banqueta! Mais perto! Para trás. Mais longe. Alto! É por isso que, com a sua permissão, vou-me deixar ficar mais um pouco em sua companhia, antes de me aventurar adiante. Cesta! O ar livre abre o apetite. Cesta! Mais longe! Aí! Ele fede. À nossa saúde.

ESTRAGON – O que ele tem?

VLADIMIR – Parece cansado.

ESTRAGON – Por que não põe a bagagem no chão?

VLADIMIR – Vou saber? Cuidado!

ESTRAGON – E se a gente perguntasse?

VLADIMIR – Veja só isso!

ESTRAGON – O quê?

Metodologia de ensaios

Sem dúvida alguma tudo o que foi posto acima nasce em virtude da afasia, da athambia, da apatia – ou seja – da estagnação prática. Não começar os ensaios abre espaços – muitas vezes, precipícios – sobre os quais convém não se perder tão facilmente. Especulo a seguir, aleatoriamente, alguns caminhos que venho intuindo. Algumas práticas nas quais persisto:

  • no mínimo um mês de trabalhos diversos anteriores às improvisações de cena e levantamento das mesmas;
  • um mês de abertura – de jogos (criados por nós para esta encenação), de escuta (prática dos viewpoints), de estudos (leituras da peça e de mais referências) e de workshops (aprofundamentos sobre alguns pontos específicos, sobre questões que nos faça abrir… flertar com o infinito);
  • não convém ainda falar do que virá depois, pois tentarei descrever com mais detalhes o que foi colocado antes;
  • JOGOS: desenvolvimento, seleção e prática – recorrente – de jogos, dinâmicas que nos sugiram as situações, os tempos, as atmosferas da peça que estamos intuindo. Esse trabalho vai ser proposto por cada uma das quatro atrizes, por mim e de repente, um outro proposto pela equipe de direção de arte (espaço onde testaremos com as atrizes em jogo algumas intuições sobre o que pensamos ser a peça);
  • ESCUTA: prática da técnica dos viewpoints, primeiro com intuito de treinamento, posteriormente enquanto estímulo para improvisação e levantamento de cenas. Foco específico no trabalho com o espaço – apropriação;
  • ESTUDOS: leituras e debates sobre assuntos inevitáveis a serem tratados no caso desta montagem. É preciso tocar na parcela “óbvia” deste conhecimento e na porção menos previsível. Todos os estudos feitos por mim até agora serão desbravados, entre a equipe dividiremos aqueles que terão a responsabilidade de desenvolver melhor certos temas, aprofundar-se pelo outro e não unicamente sozinho. Além disso, estudar a peça ESPERANDO GODOT e outros textos de Beckett, em especial a obra FIM DE PARTIDA;
  • WORKSHOPS: cada atriz e eu, enquanto diretor, vamos propor uma experimentação (teórico-prática, whatever) sobre uma questão que teremos sorteado para cada um. Será meio que um encerramento dos trabalhos de mesas onde já estaremos com maior clareza do que nos interessa e por isso, faremos uma proposta mais desbravada e, consequentemente, mais frutífera.

Esse é um primeiro desenho, cheio de seus equívocos. Mas é preciso começar. Assim, o que virá depois não cabe ainda dizer. Mas devo dizer que um estudo mais clássico sobre a obra vai ser essencial. Não clássico enquanto tema, mas um trabalho que seja estruturalmente conhecido, como por exemplo, a divisão da peça em unidades, separarmos os blocos, investigarmos as partes, os espelhamentos entre os atos (descobrir nestes, suas prováveis cenas, quando se alteram…).

Seguir, pois sim…