Divina Miranda,
estamos faz dias tentando encontrar as palavras certas. Depois de muito dizer, de muito bradar, de muito tentar, voltamos ao zero, ou seja, voltamos para dentro, para o umbigo, para o centro. Sim. De fato. De onde surgiria um nome que não fosse do próprio corpo, daquilo que é nosso? Daquela máquina desejante que grita e impõe à força a sua revolta, a sua identidade, a sua absurdidão? Hein?
Vamos estrear o espetáculo em breve, acredite. Seríamos imensamente felizes de vê-la perdida em nossa platéia. Sem dúvida, caso venha, de fato, avise-nos, para que possamos deixar o seu nome na lista amiga. Infelizmente não trabalhamos com convites, a não ser que você venha a escrever alguma coisa sobre o nosso trabalho e tenha a pretensão de publicar tal coisa num jornal desses ai.
Miranda, Miranda… A última vez que nos vimos eu nem sei. Não me lembro, de fato. Durante o processo é possível cometer todas as atrocidades e nem sequer ter consciência disso. Durante um processo de criação me pego amando sem saber a quem, sem saber o destino de tudo isso que hoje me pesa as mãos e o peito. Sim. Vamos estrear e eu continuo duvidando das certezas. Escreve-se estréia que perdeu o acento e virou estreia mas que perde esse “i” ao se escrever estreando?… Sim. Estamos enterrando Godot. O que virá a seguir, Miranda, só nós vale mais que Godot porque diz respeito ao agora. É para você, cara espectadora ainda agora ausente.
Queria te dizer tanta coisa, te explicar, te indicar para onde olhar… Mas não. Eu preciso aprender a não responder a tudo e a todos. Eu preciso aprender a conviver com as dúvidas. Elas aos poucos serão respostas. Sim, Miranda. O tempo continua passando e eu aqui querendo dormir quando na verdade não paro de pensar em você. Em você, que em breve estará sentada ali, naquele teatro, recebendo ao vivo tudo isso que durante meses nos alimentou e ainda hoje em nós reverbera (Estragon diria: aquilo que nos faz arrotar).
Voltarei a falar contigo, espero. Até que, de fato, possamos nos ver, frente a frente, munidos de palavras mudas e de olhos gritantes de tudo isso que ainda hoje não podemos resolver, porque não tem solução, Miranda. Meras contradições movediças, é isso o que somos, a bem da verdade.
Do seu,
Diogo Liberano