VLADIMIR E ESTRAGON– Quem espera sempre alcança!
LUCKY – Sim! No programa de hoje, QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA, trazemos até vocês o elenco do espetáculo ESPERANDO GODOT, de Samuel Beckett, com estreia agendada no Rio de Janeiro. Vamos recebê-los com todo o nosso carinho!
ESTRAGON – Você é implacável.
POZZO – É mesmo.
LUCKY – E não é um elenco de homens. Bom, até onde eu saiba no original de Beckett são personagens masculinos e não mulheres, estou certa?
POZZO – Por acaso tenho o aspecto de um homem?
VLADIMIR – De fato.
LUCKY – Quatro mulheres interpretando homens. Qual é o papel de vocês nisso tudo?
VLADIMIR – Representar dignamente, uma única vez que seja, a espécie a que estamos desgraçadamente atados pelo destino cruel.
LUCKY – Percebam que ela falou “atados” e não “atadas”!
VLADIMIR – Estamos “acostumados”.
POZZO – O nosso papel nisso tudo é o de suplicantes!
ESTRAGON – Estamos sempre achando alguma coisa para dar a impressão de que existimos.
LUCKY – Mas há outras apostas que não ficam atrás dessa! Disseram-me que vocês não falam absolutamente nada além das palavras que constam no original de Beckett!
VLADIMIR – Ah, sim. De fato.
LUCKY – E são apenas vocês três em cena ou temos mais surpresas?
ESTRAGON – Não. Somos quatro, ao todo. A outra atriz é uma surpresa a parte!
LUCKY – Quer dizer... Vocês então não falam nada além do texto de Beckett?
POZZO – Nem “Beckett” a gente fala, porque ele não cita o próprio nome na peça.
LUCKY – Mas por que isso? Em pleno século XXI, com uma produção dramatúrgica cada vez mais intensa, por que apostar num clássico e não num novo texto?
VLADIMIR – É uma pena que o diretor não esteja aqui para responder. Nós também fizemos essa pergunta várias vezes a ele, não foi, meninas?
ESTRAGON – De fato. Mas estivemos seguras durante todo o processo.
POZZO – Nosso lema era estabilidade! Tudo sempre muito claro e objetivo, limites precisos, propostas bacanas...
LUCKY – Agora você... Você se sente bem em cena?
POZZO – Ah, é um espetáculo bonito, sabe? Era o que eu queria desde o início, que fosse bem tocante e bonito, compreende?
LUCKY – E vocês conseguiriam me dizer por que ainda esperam por Godot?
VLADIMIR – Acho que tem uma coisa da vaidade. Nesse processo o que nós fizemos foi perder a vaidade, sabe? Um desapego total. Estivemos disponíveis, sabe? Entregues! Essa aqui foi já foi cachorro, a outra porco, eu já fui sapo...
ESTRAGON – Nós já fomos índios, se lembram?
LUCKY – Índios?
POZZO – Teve um ensaio que a gente apresentou uma composição que havíamos feito e que tinha uma dança indígena.
ESTRAGON – Eu me lembro. Estava o diretor e um pesquisador em Beckett, o Leonardo Samaritano. Não tivemos como escapar, pagamos um mico horroroso!
VLADIMIR – É esse abandonar da vaidade que eu estava falando! Na peça a gente tem momentos de cuspe, né? De... De... De...
ESTRAGON – Arroto.
VLADIMIR – Arroto... São coisas que a gente faz...
POZZO – Por mera interpretação. Assim, é só por amor à arte. Realmente essa coisa do amor é o que permeia todo o nosso trabalho.
VLADIMIR – Lindo isso. O amor à arte é o que nos faz estar aqui. Sem vaidade, cuspindo no chão, arrotando... Um nível de exposição digno de aplausos e boas considerações... Porque boas intenções nós tivemos muitas durante todo esse processo...
LUCKY – Então para você que liga agora em QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA, hoje estamos com o elenco de ESPERANDO GODOT e elas estavam me dizendo que há no espetáculo uma cena em que interpretam indígenas à espera de Godot...
ESTRAGON – Ah, não! Isso não chegou a entrar no espetáculo.
POZZO – Têm coisas que são realmente muito ruins e que é melhor não entrar...
VLADIMIR – Tipo a dança indígena, tipo a sua masturbação com uma lâmpada fria...
LUCKY – Meu deus, eu não vejo a hora de assistir a esse espetáculo!
ESTRAGON – Nós também não!
LUCKY – E quando estreia?
ESTRAGON – Então, pessoal que está em casa... É engraçado falar para uma câmera, né? A gente de teatro tá acostumado com o calor da platéia, com risadas e suspiros... Aqui é tudo tão silencioso...
POZZO – ESPERANDO GODOT estreia em setembro, no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Até lá estaremos fazendo ensaios abertos na sede da nossa Cia, o Teatro Inominável...
VLADIMIR – Eu queria só pontuar uma coisinha... É que esse espetáculo foi feito com muita boa intenção, gente. Independente do resultado, nós estamos contentes...
POZZO – Estamos contentes.
LUCKY – Eu também. Muito feliz por tê-las aqui no meu programa. Mas antes que partam... Eu tenho mais duas coisinhas...
VLADIMIR – Pode mandar... Somos inesgotáveis.
LUCKY – É uma pergunta enviada por Zélia Berrettini, estudiosa em Beckett... Vejamos: Vocês têm alguma noção do que estão fazendo com ESPERANDO GODOT?
VLADIMIR – Ah, não!
ESTRAGON – Ah, sim!
VLADIMIR – Ah, não! Célia...
LUCKY – Zélia...
VLADIMIR – Então, Zélia... A questão já não é essa. Eu te respondo com outra pergunta: e o que ESPERANDO GODOT está fazendo conosco?
POZZO – É muito bonito tudo isso, sabe? Isso de se reunir com outros artistas e se ver ligado ao outro por causa de um punhado de papel que foi escrito em 1948...
ESTRAGON – 49...
VLADIMIR – 50.
LUCKY – Então não deixem de assistir, ESPERANDO GODOT, em breve aqui no Rio de Janeiro. Mas antes que vocês partam de QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA...
VLADIMIR – É engraçado que o título do seu programa não esclarece muito o conceito temporal e espacial da sociedade contemporânea, né?
POZZO – É porque depois de muitas pesquisas em ESPERANDO GODOT nós descobrimos que não é verdade.
LUCKY – Que não é verdade o quê?
ESTRAGON – Que quem espera sempre alcança. Porque de fato quem espera nem sempre alcança. Nós descobrimos que, na realidade, é quem alcança que sempre espera.
LUCKY – Ah, eu vou querer mudar o nome do meu programa! Mas antes que isso aconteça, e que eu seja demitida, mostrem-nos um pedaçinho dessa tal dança indígena...
VLADIMIR – Ah, não!
ESTRAGON – Ah, sim!
POZZO – Ah, não!
LUCKY – Ah, sim!
LUCKY – Muito bem... Muito bom, gente!
VLADIMIR – Ah, não! É horrível!
ESTRAGON – Ainda bem que não entrou no espetáculo!
LUCKY – Então para fechar, deixando uma boa impressão...
VLADIMIR – Eu queria mandar um beijo muito grande para o nosso diretor.
ESTRAGON – Ele não pôde estar, mas foi alguém muito reconfortante no processo.
POZZO – Nunca problematizou absolutamente nada. Sempre nos colocando em um lugar de certeza, quando estávamos com dúvidas ele vinha com respostas.
VLADIMIR – Ele nunca ria, era sempre muito sério. Falava: “gente, vamos voltar”...
POZZO – E não deixava a gente se perder nas palhaçadas...
LUCKY – Então para fechar, eu queria pedir algum trechinho da peça...
POZZO – Ah, sim!... Ótima ideia!... Vamos embora.
VLADIMIR – A gente não pode.
ESTRAGON – Por quê?
VLADIMIR – Estamos esperando Godot.