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terça-feira, 6 de julho de 2010

QUARTA TENTATIVA

VLADIMIR E ESTRAGON– Quem espera sempre alcança!

LUCKY – Sim! No programa de hoje, QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA, trazemos até vocês o elenco do espetáculo ESPERANDO GODOT, de Samuel Beckett, com estreia agendada no Rio de Janeiro. Vamos recebê-los com todo o nosso carinho!

ESTRAGON – Você é implacável.

POZZO – É mesmo.

LUCKY – E não é um elenco de homens. Bom, até onde eu saiba no original de Beckett são personagens masculinos e não mulheres, estou certa?

POZZO – Por acaso tenho o aspecto de um homem?

VLADIMIR – De fato.

LUCKY – Quatro mulheres interpretando homens. Qual é o papel de vocês nisso tudo?

VLADIMIR – Representar dignamente, uma única vez que seja, a espécie a que estamos desgraçadamente atados pelo destino cruel.

LUCKY – Percebam que ela falou “atados” e não “atadas”!

VLADIMIR – Estamos “acostumados”.

POZZO – O nosso papel nisso tudo é o de suplicantes!

ESTRAGON – Estamos sempre achando alguma coisa para dar a impressão de que existimos.

LUCKY – Mas há outras apostas que não ficam atrás dessa! Disseram-me que vocês não falam absolutamente nada além das palavras que constam no original de Beckett!

VLADIMIR – Ah, sim. De fato.

LUCKY – E são apenas vocês três em cena ou temos mais surpresas?

ESTRAGON – Não. Somos quatro, ao todo. A outra atriz é uma surpresa a parte!

LUCKY – Quer dizer... Vocês então não falam nada além do texto de Beckett?

POZZO – Nem “Beckett” a gente fala, porque ele não cita o próprio nome na peça.

LUCKY – Mas por que isso? Em pleno século XXI, com uma produção dramatúrgica cada vez mais intensa, por que apostar num clássico e não num novo texto?

VLADIMIR – É uma pena que o diretor não esteja aqui para responder. Nós também fizemos essa pergunta várias vezes a ele, não foi, meninas?

ESTRAGON – De fato. Mas estivemos seguras durante todo o processo.

POZZO – Nosso lema era estabilidade! Tudo sempre muito claro e objetivo, limites precisos, propostas bacanas...

LUCKY – Agora você... Você se sente bem em cena?

POZZO – Ah, é um espetáculo bonito, sabe? Era o que eu queria desde o início, que fosse bem tocante e bonito, compreende?

LUCKY – E vocês conseguiriam me dizer por que ainda esperam por Godot?

VLADIMIR – Acho que tem uma coisa da vaidade. Nesse processo o que nós fizemos foi perder a vaidade, sabe? Um desapego total. Estivemos disponíveis, sabe? Entregues! Essa aqui foi já foi cachorro, a outra porco, eu já fui sapo...

ESTRAGON – Nós já fomos índios, se lembram?

LUCKY – Índios?

POZZO – Teve um ensaio que a gente apresentou uma composição que havíamos feito e que tinha uma dança indígena.

ESTRAGON – Eu me lembro. Estava o diretor e um pesquisador em Beckett, o Leonardo Samaritano. Não tivemos como escapar, pagamos um mico horroroso!

VLADIMIR – É esse abandonar da vaidade que eu estava falando! Na peça a gente tem momentos de cuspe, né? De... De... De...

ESTRAGON – Arroto.

VLADIMIR – Arroto... São coisas que a gente faz...

POZZO – Por mera interpretação. Assim, é só por amor à arte. Realmente essa coisa do amor é o que permeia todo o nosso trabalho.

VLADIMIR – Lindo isso. O amor à arte é o que nos faz estar aqui. Sem vaidade, cuspindo no chão, arrotando... Um nível de exposição digno de aplausos e boas considerações... Porque boas intenções nós tivemos muitas durante todo esse processo...

LUCKY – Então para você que liga agora em QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA, hoje estamos com o elenco de ESPERANDO GODOT e elas estavam me dizendo que há no espetáculo uma cena em que interpretam indígenas à espera de Godot...

ESTRAGON – Ah, não! Isso não chegou a entrar no espetáculo.

POZZO – Têm coisas que são realmente muito ruins e que é melhor não entrar...

VLADIMIR – Tipo a dança indígena, tipo a sua masturbação com uma lâmpada fria...

LUCKY – Meu deus, eu não vejo a hora de assistir a esse espetáculo!

ESTRAGON – Nós também não!

LUCKY – E quando estreia?

ESTRAGON – Então, pessoal que está em casa... É engraçado falar para uma câmera, né? A gente de teatro tá acostumado com o calor da platéia, com risadas e suspiros... Aqui é tudo tão silencioso...

POZZO – ESPERANDO GODOT estreia em setembro, no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Até lá estaremos fazendo ensaios abertos na sede da nossa Cia, o Teatro Inominável...

VLADIMIR – Eu queria só pontuar uma coisinha... É que esse espetáculo foi feito com muita boa intenção, gente. Independente do resultado, nós estamos contentes...

POZZO – Estamos contentes.

LUCKY – Eu também. Muito feliz por tê-las aqui no meu programa. Mas antes que partam... Eu tenho mais duas coisinhas...

VLADIMIR – Pode mandar... Somos inesgotáveis.

LUCKY – É uma pergunta enviada por Zélia Berrettini, estudiosa em Beckett... Vejamos: Vocês têm alguma noção do que estão fazendo com ESPERANDO GODOT?

VLADIMIR – Ah, não!

ESTRAGON – Ah, sim!

VLADIMIR – Ah, não! Célia...

LUCKY – Zélia...

VLADIMIR – Então, Zélia... A questão já não é essa. Eu te respondo com outra pergunta: e o que ESPERANDO GODOT está fazendo conosco?

POZZO – É muito bonito tudo isso, sabe? Isso de se reunir com outros artistas e se ver ligado ao outro por causa de um punhado de papel que foi escrito em 1948...

ESTRAGON – 49...

VLADIMIR – 50.

LUCKY – Então não deixem de assistir, ESPERANDO GODOT, em breve aqui no Rio de Janeiro. Mas antes que vocês partam de QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA...

VLADIMIR – É engraçado que o título do seu programa não esclarece muito o conceito temporal e espacial da sociedade contemporânea, né?

POZZO – É porque depois de muitas pesquisas em ESPERANDO GODOT nós descobrimos que não é verdade.

LUCKY – Que não é verdade o quê?

ESTRAGON – Que quem espera sempre alcança. Porque de fato quem espera nem sempre alcança. Nós descobrimos que, na realidade, é quem alcança que sempre espera.

LUCKY – Ah, eu vou querer mudar o nome do meu programa! Mas antes que isso aconteça, e que eu seja demitida, mostrem-nos um pedaçinho dessa tal dança indígena...

VLADIMIR – Ah, não!

ESTRAGON – Ah, sim!

POZZO – Ah, não!

LUCKY – Ah, sim!

LUCKY – Muito bem... Muito bom, gente!

VLADIMIR – Ah, não! É horrível!

ESTRAGON – Ainda bem que não entrou no espetáculo!

LUCKY – Então para fechar, deixando uma boa impressão...

VLADIMIR – Eu queria mandar um beijo muito grande para o nosso diretor.

ESTRAGON – Ele não pôde estar, mas foi alguém muito reconfortante no processo.

POZZO – Nunca problematizou absolutamente nada. Sempre nos colocando em um lugar de certeza, quando estávamos com dúvidas ele vinha com respostas.

VLADIMIR – Ele nunca ria, era sempre muito sério. Falava: “gente, vamos voltar”...

POZZO – E não deixava a gente se perder nas palhaçadas...

LUCKY – Então para fechar, eu queria pedir algum trechinho da peça...

POZZO – Ah, sim!... Ótima ideia!... Vamos embora.

VLADIMIR – A gente não pode.

ESTRAGON – Por quê?

VLADIMIR – Estamos esperando Godot.