“Samuel Beckett, o irlandês nascido em Foxrock, subúrbio abastado de Dublin, em 1906, e morto em Paris, há 20 anos. [...] Difíceis e desconcertantes, drama e prosa do autor de Esperando Godot recusam a acomodação de suas tensões internas em pares conceituais antípodas como otimismo/pessimismo ou realismo/absurdo (Andrade, 2010). “A linguagem nas peças de Beckett serve para expressar o desmoronamento, a desintegração da linguagem. Onde não há certeza não pode haver significados definidos. (Esslin, 1968). “Um dos pomos da discórdia da crítica beckettiana continua a ser a importância que se atribui a este mítico niilismo e à busca por alguma positividade na obra do ganhador do Nobel de Literatura de 1969” (Andrade, 2010). “Solidão, sofrimento, fracasso, angústia, absurdo da condição humana e morte – são os temas maiores beckettianos, com os quais se associam outros mais... [...] Reflexo do homem do século XX, aniquilado pelos anos de guerra e pela ciência nova que destruíram a fé em sistemas racionais, filosóficos ou políticos" (Berrettini, 2004).
“Esperando Godot de 1948 – peça nova, de ruptura, colocando o público diante de situações dramáticas insólitas e sua linguagem surpreendente, pois enquanto esperam Godot que não vem, suas personagens, tais palhaços com suas falas acompanhadas de números de circo ou de music hall, [...] falam da miséria do homem, do absurdo da condição humana, das dificuldades do homem moderno” (Berrettini, 2004). “O assunto da peça não é Godot, mas a própria espera, o ato de esperar como um aspecto essencial e característico da condição humana [...] e Godot representa tão somente o objetivo de nossa espera – um acontecimento, uma coisa, uma pessoa, a morte” (Esslin, 1968).
“A linguagem falha e as falas iniciadas a contragosto e difíceis de estancar passam a ser a aposta beckettiana no pós-guerra, corroendo por dentro convenções dramáticas e materializando-se em imagens insólitas. [...] Tais aspectos estão presentes, por exemplo, no choque inicial de Esperando Godot, reiterado em Fim de Partida e Dias Felizes” (Andrade, 2010). “O uso que Beckett faz da linguagem é um ataque à complacência fácil e barata dos que acreditam que falar de um problema é resolvê-lo, que o mundo pode ser dominado por classificações e fórmulas bem arranjadas” (Esslin, 1968).
“A noção de drama, como conhecemos tradicionalmente, conta uma história, normalmente marcada por um ou mais conflitos, que são a base primordial para a ação da peça e revelação dos personagens. Samuel Beckett corajosamente rejeitou esta idéia, fazendo da inação o seu foco, dizendo-nos, já pelas primeiras palavras da peça, ‘Nada a fazer’. [...] Beckett está lidando com equilíbrios, com gráficos. [...] A estrutura dos dois atos da peça, com cada ato parando com Didi e Gogo na posição congelada. (Um terceiro ato geralmente resolve alguma coisa). [...] Vladimir perto do pensamento (cabeça ou chapéu) e Estragon mais perto do corpo (pés ou bota), Pozzo o mestre e Lucky o escravo, dois meninos mensageiros (ou são eles o mesmo garoto?), dois ladrões presos à cruz. O equilíbrio informa o modo de apresentação, a fusão entre artifício e realismo, comédia e tragédia. Essa estratégia de balanços empurra a platéia para dentro de uma atmosfera de incerteza. Sua palavra favorita, disse Beckett uma vez, é ‘Talvez’” (Massachusetts Review).