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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Pesquisando.



Artifício da Nuvem. Se ela não existe, plena, concreta, a gente pode muito bem inventar. Papel, impressão, holograma, photoshop. Qualquer coisa que crie uma pele de nuvem e que nos convença de que sim, ainda sem aqui estar, a nuvem existe para nós.

Não tem a ver com a imagem, as cores, nada disso aqui faz sentido. Chamo atenção para o uso recorrente do ARTIFÍCIO, do ESCAPE, da SUPERFÍCIE. Atenção ao uso de uma imagem qualquer como fuga do real. Se em PAS-DE-DEUX o personagem masculino tenta dispersar a realidade ocupando-se com ações físicas, com ações verbais que narrem seu trajeto físico, em ESPERANDO GODOT, tentam dispersar a realidade falando sobre ela, a realidade, e sobre a tentativa de dispersão da mesma. Ou seja: Metalinguagem.


Segue um poema do Drummond,


Poema de Sete Faces
Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


O que fica deste poema é apenas a sua última estrofe. Sempre me chamou atenção como Drummond constrói uma sequência de versos elucidativa sobre como escapar da realidade (ou mesmo, sobre como amenizá-la, dotá-la de outras cores, outros sentidos, poetizá-la). Sobre os subterfúgios, as maneiras inventadas pelo homem para escapar. Acho que a poesia (essa lua), o álcool (esse conhaque), entre outros, são válvulas de escape para lidar com o mundo. A desenvolver.