Rio de Janeiro, 24 de junho de 2010.
Carolline. Escrevo para lhe dizer o seu papel neste ESPERANDO
GODOT. É você Estragon, Caroll. Estragon. Pelos seus arrotos, pelo seu corpo,
pelo instinto redescoberto e alimentado. Pelo imprevisto, pelo susto, pelo
grito, pelo salto. Pelo ofegar. Pelo corpo tosco e desperto. Pelo corpo todo e
coberto, por joelheiras. Pela filosofia traduzida em arrepio. Estou lhe
escrevendo para voltar ao início e provocar o encontro. Porque Godot já chegou
para você. Seu Godot me parece chegar a cada nova brincadeira, pois chegar
antes de ser fim em você – para mim – é partida. Basta começar. Não importa o
resto. Não há de importar. Importar se permitir ser corpo para o que o
imprevisto possa sobre ti lançar. Peço astúcia. Peço-lhe escuta e PdD. Saiba
sair para voltar potente. Saiba sair para sair e não voltar. E se fazer
presente porque fez com que todo mundo lhe fosse procurar. Deixe-me ver,
deixe-nos ver a imensa capacidade de amar que sobrevive nos seres que não
falam. O amor inaugural. Aquele que não é pessoal, que fala com cada coisa,
seja coisa algo vivo ou não. A busca. Que não cessa, você vê? O cachorro come e
logo em seguida precisa comer. Você busca e testa e precisa fazer de novo para
se satisfazer. É assim mesmo. E no meio do caminho, ele se diverte. Eu digo, o
Estragon. Ele se diverte com o dicionário, ele se diverte com o cabelo
balançando ao vento quando a gente acha que ele está entendendo algo que está
sendo dito. Ele torna ruidosa a leitura mais óbvia, ele relativiza. Menos por
saber e mais por ser reativo. O seu Godot está na respiração. Vai e volta. Mas
pode-se intensificar o encontro. Isso que escrevo não é uma pergunta, não é
dúvida. É constatação. É o que é, não há chance de modificação. Neste nosso
ESPERANDO GODOT, cuja direção compete a mim, eu lhe digo que és Estragon e é
isso. Simples assim. Aberta ao jogo. Recebendo, lendo e propondo. Lendo?
Propondo? Pode sair para tentar entender, mas volte. É preciso voltar. Fale o
texto do Beckett, fale o texto de Beckett. Ele é tudo o que você sabe falar. E
não se importe com os outros, com as outras. Se eles, eventualmente, fugirem do
texto, você saberá pelo texto os condenar. Mas importa? Que seja, pois, aquilo
que seu corpo gritar. O cachorro quebra o corpo porque quis quebrar ou porque
quis brincar. O cachorro morde o dono para machucar ou dizer da forma dele o
quanto de amor pode doar? Às vezes se escreve com sangue outra coisa que não
sofrimento. Nada de laços, nada de atrasos. Pontualidade. Devoção. Foi-lhe dada
uma chance no meio dessa confusão toda. Preciso vê-la inteira em tentação.
Potente. Única e acompanhada. Capaz de amar e morder. Capaz de ser rápida e
kinestética. É um convite, Estragon. Abro-lhe um espaço para brincar. E lá tem
objetos, tem fio, tem lâmpada, fósforo, porco, gato, celular. Sim, lá tem
celular. Você pode falar, pode gravar, pode bater, morder. Você pode se
aproximar. De mim também. Eu faço carinho, eu te expulso de perto. Nesse
movimento a gente preenche o tempo e a vida parece outra coisa não menos
parecida com a vida, mas pelo menos, mais radiante. Muitos espaços num só
tempo. Muitos tempos num só suspiro. Por isso se ofega. O corpo grita,
Estragon. E isso não é o fim, é só o início...