Rio de Janeiro, 24 de junho de 2010.
Ada. Sempre temo os nomes que dou para dizer sobre a sua
interpretação. E sabe o que acho? Além de dizer interpretativa, além de rotular
de histérica, além de representacional, além de tudo isso, o que fica é mesmo a
busca de alguém em tentação, alguém disposto, alguém querendo ser amado,
querendo chamar atenção, por que não? Qual é o problema? O mundo está cheio de
olhos, cheio também de corações, mãos, dedos, braços e abraços. Quero ser amado
assim como você. Por isso não se boicote. Queira aparecer. Descubra, no
entanto, a dosagem exata. Experimente o sumiço, descubra como ser invisível,
justamente para fazer sentido a você a possibilidade da aparição, a surpresa, a
revelação. Escrevo tudo isso para dizer o seu papel neste ESPERANDO GODOT: é
você Pozzo, Ada. Do início ao fim. Do fim ao início. Alguém cujo Godot se refaz
com extrema agilidade. Alguém cuja vontade de vencer, de conseguir e contemplar
se renova a cada ato, a cada cena, a cada fala. Pozzo é ser em tentação. Mas
tenta tanto, tenta tanto, que acaba nos cansando, nos fazendo rir, nos causando
ódio e provocando risadas. Dentro, porém, dorme aquecido um gesto capaz do
afeto, um despertador que às vezes grita e o torna alguém tão único, tão
sincero, alguém tão desprovido desse mistério da interpretação. Veja bem: o que
escrevo aqui não é dúvida, não é questão. É certo. É ponto final. Não se pode
questionar. É você uma atriz buscando aquilo que se vai interpretar. Buscando o
gesto, o tempo, o ritmo, a intenção. Nosso ESPERANDO GODOT é sem dúvida a
tentativa a cada sua aparição. Estamos descontentes por sabermos que podemos
sempre tentar de novo aquilo que um dia já foi o máximo do super bom. Você é
Pozzo pela forma em que se lança, batendo o corpo com força no chão, se
machucando não para chamar atenção, mas para tentar ultrapassá-lo. Quer ser
maior, quer ser melhor. Por isso talvez esteja com Lucky, já pensou nisso?
Porque estão juntos? Ele pode te ajudar ou o contrário? Porque estar junto e
não sozinho? Porque tantas perguntas? Não responda pensando, responda tentando.
E nisso a pergunta sai de você e vem para mim e vai para o outro e assim a
nossa encenação segue sem fim, porque Godot chegou e foi digerido e voltou a
nascer e a ser querido e a ser comido e assim segue não só nossa peça mas a
própria existência. Descubra nesse convite que lhe faço o seu papel dentro
desta encenação. Descubra o seu gráfico, descubra indícios da contenção. Como
dizer o mesmo menor? Como dizer sem gritar? Como dizer sem falar? É um convite
a se descobrir. A ultrapassar você mesma e se reconhecer distinta, alguém capaz
de se diferenciar. Não se recrimine, não há questão. Há um jogo e um convite
meu a você para o amadurecimento, para a ultrapassagem, para o jogo quebrado a
todos os lados, para a multiplicidade, para a confusão. Imagino que esteja
confusa, pensando como dar conta de tudo isso que escrevo. Mas, é preciso
lembrar: não é dúvida, isso aqui não é questão nem pergunta: isso já está dado
e é somente uma leitura minha do que é seu, de fato. Anagrama. De fato, minha
leitura é uma do que é isso. Um convite ao riso, ao susto, ao abrupto. Um
convite aos espasmos, ao tremor, ao medo. Você, Pozzo, pode nos mostrar o que
pode vir a ser a sua indignação. Um beijo na testa.