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terça-feira, 30 de novembro de 2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Vazio é o que me falta,
Não estou nada esvaziada por dentro agora. Pelo contrário, estou borbulhando de Miranda em mim; to esperando com a ansiedade de uma menina o dia de nos vermos de novo, de nos desnudarmos pra quem estiver pela frente, de tentar jogar com ela que nunca está lá. É uma delícia saber que vamos ao seu encontro, mas não vamos encontrá-la, de novo.
É uma certeza de felicidade que se permeia pelos vacilos intermináveis, na companhia de nós que somos inesgotáveis. A cena tá me chamando pro buraco negro da espera, que se movimenta mais em nós do que qualquer presença. É tão gratificante saber que estou viva e vibrando por dentro, do jeitinho que Pozzo gosta.
Sabe o estômago? Mais em cima. Sabe o coração? Mais pra dentro, mas em diagonal. O Pozzo é preciso, é firme, é lamentável. Ele tenta dizer pra que veio, fala fala fala mais mais mais e não diz o que queria dizer. Acho que o seu teatro (não vida, Pozzo faz teatro) é o de tentar a tecla da estrela, de ser linda, de ser fabulosa, de ser Maryl Streep (eu sou assim, e odeio dizer). Porque Ada é assim, mas por odiar ser acaba que mostra o lado frágil, o lado de estar ali aprendendo, o lado de saber que não é boa. O bom do Pozzo é que ele distorce o máximo possível aquilo que Ada menospreza. Pozzo gosta do teatro, Ada também. Pozzo mostra o seu feio, Ada também. Pozzo quer mais, Ada também.
O estar em cena na tentativa da MIRANDA pra mim é tão bom porque é muito encômodo junto. Eu detesto ser Pirineu; eu detesto ser Narradora "falam todas ao mesmo tempo"; eu detesto bater na Fabi; eu detesto ser Pozzo. E é por isso tudo (e mais) que eu amo estar ali, cavucando na minha ferida e vendo as outras se cavucarem. O negócio só funciona porque enquanto eu to me cavucando a Flavinha tá rindo de alegria, enquanto a Helena se esburaca a Fabi tá gozando, enquanto o Diogo tá sem saber como sentar a Ada tá imitando o seu monólogo de sempre. E esse alimento me enche agora de friozinho na barriga.
Platéia, não seja má, venha nos ver. Mas olha platéia, precisa estar cheio, porque é assim que Pozzo gosta. E lembra-se: NÃO TRAGA MIRANDA.
É uma certeza de felicidade que se permeia pelos vacilos intermináveis, na companhia de nós que somos inesgotáveis. A cena tá me chamando pro buraco negro da espera, que se movimenta mais em nós do que qualquer presença. É tão gratificante saber que estou viva e vibrando por dentro, do jeitinho que Pozzo gosta.
Sabe o estômago? Mais em cima. Sabe o coração? Mais pra dentro, mas em diagonal. O Pozzo é preciso, é firme, é lamentável. Ele tenta dizer pra que veio, fala fala fala mais mais mais e não diz o que queria dizer. Acho que o seu teatro (não vida, Pozzo faz teatro) é o de tentar a tecla da estrela, de ser linda, de ser fabulosa, de ser Maryl Streep (eu sou assim, e odeio dizer). Porque Ada é assim, mas por odiar ser acaba que mostra o lado frágil, o lado de estar ali aprendendo, o lado de saber que não é boa. O bom do Pozzo é que ele distorce o máximo possível aquilo que Ada menospreza. Pozzo gosta do teatro, Ada também. Pozzo mostra o seu feio, Ada também. Pozzo quer mais, Ada também.
O estar em cena na tentativa da MIRANDA pra mim é tão bom porque é muito encômodo junto. Eu detesto ser Pirineu; eu detesto ser Narradora "falam todas ao mesmo tempo"; eu detesto bater na Fabi; eu detesto ser Pozzo. E é por isso tudo (e mais) que eu amo estar ali, cavucando na minha ferida e vendo as outras se cavucarem. O negócio só funciona porque enquanto eu to me cavucando a Flavinha tá rindo de alegria, enquanto a Helena se esburaca a Fabi tá gozando, enquanto o Diogo tá sem saber como sentar a Ada tá imitando o seu monólogo de sempre. E esse alimento me enche agora de friozinho na barriga.
Platéia, não seja má, venha nos ver. Mas olha platéia, precisa estar cheio, porque é assim que Pozzo gosta. E lembra-se: NÃO TRAGA MIRANDA.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Aqui sou personagem:
BANKSY
Aonde é que vai ficar a madame?
Na próxima estação camarada, não tem parada.
Não desço enquanto ela não chegar.
Não virá.
Ouvirá.
Impávido que nem Mohamed Ali, tranquilo e infalível como Bruce Lee, com o Axé e o Afoxé filhos de Gandhi. Like a Rolling Stone, like a Lennon, like a Rihana (?, ui).
... se é que se pode saber alguma coisa de ciência as avessas, penso que o lúdico não tem forma de máscara. Apenas um suave caos de resignificações desdobram-se no novo invento.
Eis o que Deus pode pensar sobre essa nova humanidade que atualmente ele recria a partir das junções entre nós:
"Do pré viestes ao pós retornarás".
Pré e Pós drama. Opa, não é ciência.
E o que é o erro? Que erro carícia?
Me de um tempo que estou sem paciência.
Ancoramento de artistas, desilusão de líder.
Para as cucuias sua idéia de líder coração.
Eles já morreram. Todos eles.(que saudade, amo as suas memórias!!VERDADE)
Em que identidade se encontra a percepção do todo?
Que todo oco, tosco, roto, rouco.
Não!
Suave, rico, omisso, ouriço.
Como? Hum como, não sinto fome.
Sou classe A.
Alfabetizada em todas as línguas-
pra rimar, para remar.
Somos belas, aquarrelas.
Com dois erres que é pra preparar o latido.
Sou classe C e você? Abracadabra.
Para as cucuias toda ordem de símbolos.
Com todo respeito, preciso juntar os caquinhos.
E só acredito em oxigênio e carinho (não falo dos artificiais).
(continua...)
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Rampa, ai vamos nós...
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Um novo espaço para se apropriar. Um quase novo espetáculo. Espaço é o que não falta. A temporada está confirmada no período que vai de 04 a 19 de dezembro, sempre sábados e domingos, às 20h na Rampa, Lugar de Criação.
Maiores informações sobre o espaço, acesse: http://www.coparampa.com.br/
domingo, 21 de novembro de 2010
Estamos voltando
Estamos voltando. Isso me parece terrível e ao mesmo tempo excitante.
Excitante porque é um trabalho do qual me orgulho tamanha honestidade e dedicação. Terrível porque parece que todo pouco tempo que temos de ensaio e dedicação à essa retomada se torna ainda menor, uma vez que a cada ensaio mil novas possibilidades de jogo, de texto, de cena, de situação surgem. É infinito o nosso trabalho assim como nossa dedicação. É impossível essa encenação assim como querer dar conta dela. Miranda nos escapa a cada tentativa de apreensão. Não descobriremos seu segredo, não decifraremos seu enigma.
Já a minha personagem.... está cada vez mais evidente. É um porre. Ela é um porre. Agora tenho certeza disso. Vou ter que engolir essa falta de carisma, esse sentimento de repulsa que é inegável diante de uma personagem que só faz reclamar e indagar e brigar. Ela quer fazer a peça, ela quer ajudar, ela quer que tudo dê certo e fica tentando corrigir os erros com frases de efeito, com gritos estridentes, choros escandalosos e idéias ameaçantes. Entendam, é o jeito dela de dizer sim, é o jeito dela de dizer que gosta, de semear o bem. Ela é bacana podem acreditar, mas erra tentando corrigir o erro, erra na sua cega obstinação. Ela está perdida, contrariada, indignada e é preciso ter paciência com ela, é preciso ter calma, entendam, ela é legal, ela é de amor. Podem acreditar. Mas também podem não gostar. ela é assim.
Estava relendo coisas do blog e encontrei essa postagem da Adassa, pensei: que coisa linda, e não fizemos um só comentário, bom, talvez o silêncio tenha tomado conta e isso é um bom sinal, aí vai:
"A releitura do Mito de Sísifo agora me entregou uma coisa, que relaciono ao ensaio passado. Algo que dizia mais ou menos que a virtude de Sísifo se encontrava na lacuna de tempo em que ele descia retornando à planície para novamente subir sua rocha ao cimo da montanha. Era ali que ele vencia os deuses e o seu destino.
É aqui que precisamos vencer e boicotar a nossa cena. Mas o segredo é agraciá-la com o esgotamento que ela nos impõe, ficando nós ali, mostrando que somos capazes até o próprio jogo não aguentar mais? Ou recusá-la, contradizendo-a, determinando idéias contrárias e remando com a nossa força contra o que nos é destinado? Ou os dois? Não sei.
Mas esse movimento de descer o morro em estado pensante, em situação de tentativa, de comunicação, de troca, e de fomentação de estragégias entre nós quatro é fundamental. O que fizemos - sem condenamento ao que foi, pois foi lindo, dolorido e necessário - no ensaio passado foi descer o morro certas de que subiríamos novamente, exaustivamente, repetidamente, como algo vazio do novo (afê maria Diogo, por que diabos fui comentar que só de pensar que ficaríamos horas ali entregues à tentativa incerta seria mais um martírio? Não foi isso que quis dizer...).
Pelo menos assim foi o que senti. E realmente desisti várias e várias vezes. Não tentei com força - somente alguns poucos espasmos de... "lucidez" (?). Estava entregue, estava morta, dormi em cena. Calei a boca, fechei os olhos, não escutei o menino me gritar. Só estive.
Acho que podemos tentar descer o morro invadindo e esgarçando mais os nossos limites. Uma ancorando a outra. Enquanto uma empurra, outra faz uma alavanca, outra tenta formular um caminho a frente, e a quarta grita anunciando a nova chegada."
Excitante porque é um trabalho do qual me orgulho tamanha honestidade e dedicação. Terrível porque parece que todo pouco tempo que temos de ensaio e dedicação à essa retomada se torna ainda menor, uma vez que a cada ensaio mil novas possibilidades de jogo, de texto, de cena, de situação surgem. É infinito o nosso trabalho assim como nossa dedicação. É impossível essa encenação assim como querer dar conta dela. Miranda nos escapa a cada tentativa de apreensão. Não descobriremos seu segredo, não decifraremos seu enigma.
Já a minha personagem.... está cada vez mais evidente. É um porre. Ela é um porre. Agora tenho certeza disso. Vou ter que engolir essa falta de carisma, esse sentimento de repulsa que é inegável diante de uma personagem que só faz reclamar e indagar e brigar. Ela quer fazer a peça, ela quer ajudar, ela quer que tudo dê certo e fica tentando corrigir os erros com frases de efeito, com gritos estridentes, choros escandalosos e idéias ameaçantes. Entendam, é o jeito dela de dizer sim, é o jeito dela de dizer que gosta, de semear o bem. Ela é bacana podem acreditar, mas erra tentando corrigir o erro, erra na sua cega obstinação. Ela está perdida, contrariada, indignada e é preciso ter paciência com ela, é preciso ter calma, entendam, ela é legal, ela é de amor. Podem acreditar. Mas também podem não gostar. ela é assim.
Estava relendo coisas do blog e encontrei essa postagem da Adassa, pensei: que coisa linda, e não fizemos um só comentário, bom, talvez o silêncio tenha tomado conta e isso é um bom sinal, aí vai:
"A releitura do Mito de Sísifo agora me entregou uma coisa, que relaciono ao ensaio passado. Algo que dizia mais ou menos que a virtude de Sísifo se encontrava na lacuna de tempo em que ele descia retornando à planície para novamente subir sua rocha ao cimo da montanha. Era ali que ele vencia os deuses e o seu destino.
É aqui que precisamos vencer e boicotar a nossa cena. Mas o segredo é agraciá-la com o esgotamento que ela nos impõe, ficando nós ali, mostrando que somos capazes até o próprio jogo não aguentar mais? Ou recusá-la, contradizendo-a, determinando idéias contrárias e remando com a nossa força contra o que nos é destinado? Ou os dois? Não sei.
Mas esse movimento de descer o morro em estado pensante, em situação de tentativa, de comunicação, de troca, e de fomentação de estragégias entre nós quatro é fundamental. O que fizemos - sem condenamento ao que foi, pois foi lindo, dolorido e necessário - no ensaio passado foi descer o morro certas de que subiríamos novamente, exaustivamente, repetidamente, como algo vazio do novo (afê maria Diogo, por que diabos fui comentar que só de pensar que ficaríamos horas ali entregues à tentativa incerta seria mais um martírio? Não foi isso que quis dizer...).
Pelo menos assim foi o que senti. E realmente desisti várias e várias vezes. Não tentei com força - somente alguns poucos espasmos de... "lucidez" (?). Estava entregue, estava morta, dormi em cena. Calei a boca, fechei os olhos, não escutei o menino me gritar. Só estive.
Acho que podemos tentar descer o morro invadindo e esgarçando mais os nossos limites. Uma ancorando a outra. Enquanto uma empurra, outra faz uma alavanca, outra tenta formular um caminho a frente, e a quarta grita anunciando a nova chegada."
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Encontro
São 01:31. As meninas (Ada, Fabíola, Flávia e Helena) estão começando a dormir. Estamos na minha casa, no Rio de Janeiro. Tivemos um encontro/ensaio para começar a se organizar para a segunda temporada do nosso espetáculo. Tomamos cerveja, comemos pizza e agora eu aqui, com a caneca cheia de café, tentando entender como algumas coisas podem ser tão potentes.
Não é um relato emocionado, apesar de ser. Não tem intenção alguma isso aqui, apesar de poder ter, no sentido de que as coisas vão sendo conquistadas e hoje o que temos só nos é possível porque nos permitimos ir, sem ver objetivo que não o presente, sem desejar nada além do instante. Do encontro.
Mais uma vez voltaremos para encontrar. Já não há dúvidas, ou como elas mesmas gostam de debochar em mim, não há questão. Chegamos para chegar, por isso chegamos. Encontramos você encontramos seu olhar encontramos o tempo juntos e dividimos mais que o espaço, dividimos o mesmo ar.
Que mistério é esse que nos envolve, né? Como é lindo isso que escolhemos - neste instante - ser. Não é? Eu me impressiono e quero conseguir ser de novo e outras vezes mais me assustar. Com a vida. Com o sorriso. Com o calor. Com a união e a divisão. Com o partilhar. Com o desenvolver-se no tempo e não estar pronto. Com o abrir para enfim, voar...
Ao redor de vocês, metáforas são possíveis. E a poesia é mais viva do que a própria vida. Quero continuar. Mas, por agora, encerro a escrita. Vou dormir com o peito aquecido. Vou domar o digitar e fazer silêncio para que todas possam sonhar. Amanhã cedo temos ensaio. São 01:39.
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Diogo Liberano
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
"Autoinvenção"
Peter Pál Pelbart
(Puc -SP)
Um belíssimo estudo de Richard Sennett mostrou a que ponto a moderna sociedade industrial esvaziou a dimensão teatral do espaço público, desqualificando as máscaras produzidas na cena social e remetendo cada qual para sua suposta interioridade original, seu eu. Todo o jogo teatral em larga escala foi substituído pelo predomínio de um espaço interior esvaziado, a tirania da intimidade oca, que já não pode alimentar-se de nada pois é referida a si mesma, no máximo ao seu círculo doméstico ou familiar. Sennett mostra precisamente que o eu de hoje só está assim esvaziado porque o espaço público que o nutria, e o teatro que lhe era coextensivo, foram desqualificados e esvaziados. Ora, essa observação ressoa inteiramente com os textos de Nietzsche, e toda sua valorização da máscara, e da vida como produtora de máscara, e da consciência que tinham disso os gregos.
Uma máscara não esconde um rosto original, mas outra máscara, e assim sucessivamente, de modo que o rosto próprio não passa da metamorfose e criação incessante de máscaras. Não se trata de retirar a máscara para encontrar a verdade oculta, ou a identidade velada, mas compreender a que ponto a própria verdade ou mesmo a identidade é uma entre as várias máscaras de que a vida precisa e que ela produz. Se a matriz estética substitui para Nietzsche a matriz científica, é porque se trata de produzir o ainda não nascido, não mais de descobrir o já existente. Questão de autoinvenção, não de autorevelação, de criação de si, não de descoberta de si.
É o que se vê na construção das personagens, que se têm ressonância com traços próprios às pessoas que os encarnam (com efeito, cada personagem foi construída a partir dos atores, e com que justeza e cuidado os diretores foram alfaiates da alma, cerzindo personagens sob medida! – a ponto de ser praticamente impossível "passar" o papel de um para um outro, já que os papéis não são universais vazios intercambiáveis), ao mesmo tempo, ao invés de intensificar psicologicamente os traços de cada um, nos seus draminhas íntimos, iluminando a suposta verdade psíquica interior do sujeito, o que rapidamente descambaria para um psicodrama de qualidade duvidosa, ao invés disso o teatro faz esses traços conectarem-se com personagens da história, do mito ou da literatura (o Profeta, o Homem da luz, o Treinador de heróis, a Rainha, mas também a Esfinge, o Imperador anarquista, a Torre Babelina), com elementos cósmicos ou outros (o Caos, a Tempestade, as Trevas, a Luz, a palavra oracular). Nessa conexão tais traços singulares são colocados em evidência mas ao mesmo tempo desterritorializados de seu contexto psiquiátrico, e, arrastados para longe de si mesmos, são prolongados até uma vizinhança que lhes permite uma transmutação amplificada, numa dinâmica que extrapola completamente os dados iniciais e personológicos, fazendo-os reverberarem com a cultura como um todo e experimentarem variações inusitadas.
É onde o teatro oferece aos pacientes um campo de metamorfose e de experimentação de um potencial insuspeitado. Pois os traços que compõem uma personagem (as singularidades que habitam cada um) não são elementos para uma identidade reconhecível, numa mímese referencial; eles não se somam num contorno psicossocial, ainda que isso possa estar presente, mas como máscara: a "rainha", o "imperador"...
Não é um ator representando uma personagem, mas tampouco é ele se representando, é o ator produzindo e se produzindo, criando e se criando ao mesmo tempo num jogo lúdico e existencialisante, desdobrando uma potência, ainda que na forma de uma entidade histórica ou cósmica. O que conta, para além da máscara, são os estados intensivos que esses traços expressam ou desencadeiam, as mutações de que esses traços são portadores, as composições de velocidade e lentidão que cada corpo consegue, consigo e com os demais, as passagens fluxionárias, os índices corpóreos, incorpóreos, sonoros, luminosos, o puro movimento molecular, o gesto quântico, o trajeto rizomático. Daí porque o espectador não se pergunta "o que aconteceu?" ou "o que aconteceu com tal personagem?", mas "o que me aconteceu"?, registrando o sentido eminente do Acontecimento – a afetação.
Uma máscara não esconde um rosto original, mas outra máscara, e assim sucessivamente, de modo que o rosto próprio não passa da metamorfose e criação incessante de máscaras. Não se trata de retirar a máscara para encontrar a verdade oculta, ou a identidade velada, mas compreender a que ponto a própria verdade ou mesmo a identidade é uma entre as várias máscaras de que a vida precisa e que ela produz. Se a matriz estética substitui para Nietzsche a matriz científica, é porque se trata de produzir o ainda não nascido, não mais de descobrir o já existente. Questão de autoinvenção, não de autorevelação, de criação de si, não de descoberta de si.
É o que se vê na construção das personagens, que se têm ressonância com traços próprios às pessoas que os encarnam (com efeito, cada personagem foi construída a partir dos atores, e com que justeza e cuidado os diretores foram alfaiates da alma, cerzindo personagens sob medida! – a ponto de ser praticamente impossível "passar" o papel de um para um outro, já que os papéis não são universais vazios intercambiáveis), ao mesmo tempo, ao invés de intensificar psicologicamente os traços de cada um, nos seus draminhas íntimos, iluminando a suposta verdade psíquica interior do sujeito, o que rapidamente descambaria para um psicodrama de qualidade duvidosa, ao invés disso o teatro faz esses traços conectarem-se com personagens da história, do mito ou da literatura (o Profeta, o Homem da luz, o Treinador de heróis, a Rainha, mas também a Esfinge, o Imperador anarquista, a Torre Babelina), com elementos cósmicos ou outros (o Caos, a Tempestade, as Trevas, a Luz, a palavra oracular). Nessa conexão tais traços singulares são colocados em evidência mas ao mesmo tempo desterritorializados de seu contexto psiquiátrico, e, arrastados para longe de si mesmos, são prolongados até uma vizinhança que lhes permite uma transmutação amplificada, numa dinâmica que extrapola completamente os dados iniciais e personológicos, fazendo-os reverberarem com a cultura como um todo e experimentarem variações inusitadas.
É onde o teatro oferece aos pacientes um campo de metamorfose e de experimentação de um potencial insuspeitado. Pois os traços que compõem uma personagem (as singularidades que habitam cada um) não são elementos para uma identidade reconhecível, numa mímese referencial; eles não se somam num contorno psicossocial, ainda que isso possa estar presente, mas como máscara: a "rainha", o "imperador"...
Não é um ator representando uma personagem, mas tampouco é ele se representando, é o ator produzindo e se produzindo, criando e se criando ao mesmo tempo num jogo lúdico e existencialisante, desdobrando uma potência, ainda que na forma de uma entidade histórica ou cósmica. O que conta, para além da máscara, são os estados intensivos que esses traços expressam ou desencadeiam, as mutações de que esses traços são portadores, as composições de velocidade e lentidão que cada corpo consegue, consigo e com os demais, as passagens fluxionárias, os índices corpóreos, incorpóreos, sonoros, luminosos, o puro movimento molecular, o gesto quântico, o trajeto rizomático. Daí porque o espectador não se pergunta "o que aconteceu?" ou "o que aconteceu com tal personagem?", mas "o que me aconteceu"?, registrando o sentido eminente do Acontecimento – a afetação.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
MIRANDA, em brevíssimo
Acabamos de encerrar um encontro entre elenco e direção de MIRANDA e fechamos nossas últimas apresentações do ano aqui no Rio. Em dezembro, aguardem! Para fechar o ano com dignidade! Ou felicidade... Ou instabilidade... Ou enfim, não importa...
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Diogo Liberano
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